Lido apressadamente, o título pode dar a entender “palavras malditas”, que também pode servir como tema da crônica. Vocês verão o motivo. Contudo, a intenção do título é mesmo “palavras inconvenientes, palavras inoportunas”.
Religiosos usam muito o estereótipo: “a palavra tem poder”, ao se referirem às palavras contidas na Bíblia e que são aceitas como divinas. De fato, o têm.
A vivência me fez ver que uma “palavra mal colocada” (mal dita, mas nem sempre maldita) na fala, no contexto ou no tom da conversa é suficiente para gerar feridas, mágoas e até profunda dor.
O efeito das palavras pode ser devastador. Somente quem é ferido pela palavra consegue descrever o sentimento que ela deixou e o poder que elas têm.
Richard Francis Burton (1821 – 1890), escritor, poeta e diplomata britânico, que era espadachim, disse que “a palavra fere mais profundamente que a espada”.
Essas considerações decorrem de lembrança que me veio à mente.
Jovem tenente, pouco experiente com os fatos da vida, presenciei fato que me marcou.
Estava na casa de conhecidos para almoço informal de domingo. Presente também uma família, amiga dos anfitriões.
Notei que a conversa entre o marido e a mulher, amigos dos donos da casa, era sempre ríspida por parte dela. Ela não se preocupava em esconder a animosidade com que tratava o marido, ainda que em presença de estranhos.
Em determinado momento, o seu marido saiu com um dos filhos dos donos da casa para comprar alguma coisa. Alguém, então, puxou conversa sobre casamento e o assunto avançou para o dia do casamento.
Solteiro, eu apenas ouvia, esperando assimilar conhecimentos para minha vida. Na época, apenas namorava, nada sério.
No meio da conversa, a esposa, que tratava o marido rispidamente, olhou para cima e suspirou como se pedisse força divina. Em seguida, olhou para o chão, como se derrotada. E num quase lamento, disse:
– Meu casamento se acabou no momento dos cumprimentos, ainda na igreja.

Houve um instante de constrangimento titubeante, e ela prosseguiu:
– No momento dos cumprimentos, um amigo do meu marido chegou-se até ele, efusivamente o cumprimentou, com forte e demorado abraço, e lhe disse: “Meu amigo, quem diria! Você casado com Fulana (a própria que narrava o caso)! Sempre pensei que você se casaria com Cicrana!”.
Ela continuou narrando o diálogo dos dois:
– Eu ouvia a conversa dos dois e até me contagiava com a alegria de ambos. Mas a minha alegria se dissipou quando o meu recém marido respondeu: “Eu também!”.
Ela então descreveu os sentimentos naquele momento:
– Aquilo, pra mim, foi declaração de desprezo, de desvalorização. Eu estava ali cobrindo um buraco na vida sentimental dele. Eu não era a esposa querida e desejada; eu era a reserva, alçada à condição de principal porque ele não conseguira casar-se com quem ele queria. Tive vontade de gritar, de fugir, de abandonar tudo, mas não tive força. A partir daquele momento, a alegria do casamento transformou-se em tristeza e a festa acabou-se.
Silêncio constrangedor de todos, pois ela exalava a dor que sentira nas palavras que dizia, na expressão dolorida de seu rosto e nos olhos marejados.
Ela continuou:
– Faltou-me força até para contar à minha mãe, às minhas irmãs e às minhas colegas o que acontecera. Como envergonhar a família dele que gostava de mim e como envergonhar minha família que gostava dele? Optei por carregar minha cruz. Logo vieram os filhos e passei a projetar neles minha importância como mãe.
Fiquei entre estarrecido e surpreso. Estarrecido por ver uma alma fragilizada por tanto tempo. Surpreso pelo poder das palavras, de duas pequenas palavras: “eu também”.
Levantei-me e fui servir-me de salgados e cerveja, entradas para o cardápio, arroz carreteiro.
A passagem marcou-me. O peso de uma palavra mal dita, que marcou negativamente a vida de uma mulher, me serviu de modelo para tentar sempre dizer o melhor e calar-me quando nada de bom tivesse a dizer.
Higino Veiga Macedo. Oficial do Exercito de Engenharia, Veterano da turma de 1971, da Academia Militar das Agulhas Negras. Nascido em Terenos, MS, em 11/01/1948.
5 Comentários
Parabéns ao autor do texto Cel Veterando Exército Higino. Excelente texto.
Meus cumprimentos pela abordagem perfeita de um assunto tão comum entre humanos e que nem sempre é notado por quem profere tais palavras. A falta de percepção impede a correcao, o que aumenta os efeitos….
Creio que a mulher se ofendeu profundamente atôa, pois o marido dela respondeu EU TAMBEM, apenas por informalidade, ou seja, destino é destino, na resposta dele, momento algum teve conotação de arrependimento de estar casando com outra mulher!!!
Num linguajar simples e claro, o autor nos brinda com um ensinamento sempre atual: devemos ter cuidado com as palavras, mal postas ou ditas, magoam profundamente; e, dificilmente podemos repará-las, por mais que tentemos.
Num linguajar simples e claro, o autor nos brinda com um ensinamento sempre atual: devemos ter cuidado com as palavras, mal postas ou ditas, magoam profundamente; e, dificilmente podemos repará-las, por mais que tentemos.