Apesar de o assunto da implosão do Titã parecer esgotado, ainda há ensinamentos a serem extraídos dele.
No dia 14 de junho de 2023, um barco com aproximadamente 700 migrantes, a maioria da Síria, Paquistão e Egito, incluindo em torno de 100 crianças, afundou perto da Grécia. A guarda costeira grega não interferiu. Não se sabe ao certo o número de vítimas, que deverá se aproximar de 700 seres humanos.
A imprensa noticiou o fato no dia seguinte ao acidente ou uma vez mais, e o assunto caiu no esquecimento.
No dia 18 de junho, quatro dias depois, o minissubmarino Titã, lançado ao mar para que 5 turistas milionários pudessem ver de perto os destroços do Titanic a 3.500 metros de profundidade, perdeu contato com a base e ficou desaparecido por 4 dias até que se confirmou que ele implodira. A marinha e a guarda-costeira do Canadá e dos Estados Unidos realizaram operações de busca e salvamento. A França enviou minissubmarino para ajudar a localizar o Titã.
O noticiário abordou o tema do Titã exaustivamente. Milhões de pessoas em todo o mundo acompanharam os noticiários. Especialistas foram chamados a opinar. Professores explicaram o que é implosão e como é a pressão no fundo do mar.
O número de horas e o espaço abordando a segunda notícia devem ter sido 50 ou 100 vezes maiores que o tempo e as linhas que noticiaram o naufrágio no Mar Mediterrâneo.
No primeiro caso, 700 mortes. No segundo caso, 5 mortes.
Por que a diferença da cobertura midiática? Por que houve interesse maior no naufrágio do Titã que no naufrágio do barco do Mediterrâneo, cujo nome é desconhecido? Ou foi a imprensa que despertou o interesse por um caso e esqueceu o outro?
Será porque o Titã levava milionários que pagaram 250 mil dólares pela viagem turística e os passageiros do barco do Mediterrâneo eram joões-ninguém, que fugiam da guerra e da miséria em busca de melhores condições de vida na Europa? Neste caso, a vida de milionários vale mais e merece mais destaque que a vida de migrantes miseráveis? Não são todos seres humanos?
Será que as pessoas se identificam mais com os náufragos do Titã, que tinham nome e nacionalidade, ao passo que os do Mediterrâneo compunham uma massa anônima de miseráveis, sem nome, sem rosto e cuja origem era desconhecida?

Ou será que a raiva dos ricos e o preconceito contra eles rendem mais assunto, como bem abordou o Professor Ronald Hillbrecht em seu brilhante texto “Malditos ricos!” no PORTALIMULHER?
Será que a morte por afogamento é banal e comum, enquanto a morte num minissubmarino de luxo, por implosão ou por falta de ar, é mais charmosa ou talvez mais apavorante, e esse tipo de morte atrai a atenção do público? Ambas são mortes de seres humano.
Será que o desaparecimento do minissubmarino cria suspense, com capítulos, declarações e informações que se sucediam à semelhança de novelas, o qual mantinha o público preso ao noticiário? Nesse caso, interessa a audiência?
Ou o romantismo, por parte dos tripulantes do Titã que tiveram coragem de pagar para embarcar em nave experimental em viagem para a morte, foi supervalorizado em detrimento da coragem de quem enfrentou condições adversas em busca de melhores condições de vida e de trabalho?
Ou será que o número vago de mortes – 600 ou 700 – desperta menos interesse que o número exato de mortes, no caso 5 do Titã? Não são todas mortes de seres humanos, que deixaram familiares chorosos e cuja perda está sendo sentida por alguém?

Não somos todos – os 700 do Mediterrâneo, os 5 do Titã, e jornalistas, e leitores, e telespectadores – seres humanos? Estamos insensíveis para mortes? Para alguns tipos de mortes? Somente algumas interessam e importam?
A morte é motoniveladora das desigualdades; pela morte, o pobre se iguala ao rico. A imprensa cuida de fazer a distinção da morte de uns e de outros.
Será ético e correto?
Até o próximo noticiário sobre tragédias!… Com mais ética.
Claudio Duarte.
Colunista e colaborador do PortalIMulher.
2 Comentários
Excelente análise, Cláudio. Infelizmente esta é uma realidade com a qual convivemos.
Comentar o quê?
Fizeram até um desenho, e que desenho!
Cláudio Duarte esmiuçou o acontecimento.