Alguém já pensou em como deve ser a vida, ou o passar do tempo de um grão de areia?
Grão de areia de rio, sempre mudando de lugar, rio abaixo, contando sua história por onde passa, indo para nunca mais nunca mais voltar. Grão de areia de lago, vidinha parada, nada muda, sempre no mesmo lugar, aquele leve balanço das águas a lhe dizer que o mundo não acabou. Grão de areia do mar, naquele vai e vem das ondas, dias de calmaria e outros para lá de agitados, lançado de encontro aos rochedos, descansando na praia ou esquecido nas profundezas de um oceano qualquer.
Vez por outra, alguns deles são definitivamente afastados de seus habitats e tomam novos destinos.
Assim também são os humanos, pequeninos grãos de areia.
Imagine-se, por exemplo, um grão de areia de rio e veremos um aventureiro, sempre em busca de novidades e desafios. Se olharmos para um grão de fundo do lago, pode-se enxergar o interiorano de vida pacata, no lugarejo onde até mesmo o tempo se esquece de passar. O que dizer do grão de areia da costa do mar bravio, em constante luta pela existência, enfrentando as correntes contrárias – não seriam os preconceitos? – ou resistindo aos choques com os rochedos – ah, as pedras que surgem no caminho de cada um!…
Que dilema vive um grão de areia de rio! Um dia correndo solto, veloz em corredeiras ou mais lento nos remansos, como a tomar fôlego. Noutro dia, podendo ser capturado e tendo que se misturar com elementos tão estranhos e se fundindo em concreto.
O que dizer do grão de areia do mar, hoje lutando pela sobrevivência, amanhã depositado sobre outros, na praia ensolarada.
Então, o que ser, como viver, viver eternamente?
“Forever young, I want to be forever young
Para sempre jovem, eu quero ser jovem para sempre.
Do you really want to live forever?
Você realmente deseja viver para sempre?
Forever, or never,
Para sempre, ou nunca,
Forever young, I want to be forever young
Para sempre jovem, eu quero ser jovem para sempre.
Do you really want to live forever?
Você realmente deseja viver para sempre?
Forever Young”.
Para sempre jovem.
(Forever Young, Alphaville, 1984)
Vida louca, vida de escolhas! Ser ou não ser, viver ou morrer? Ou é pau ou é pedra; ou é pedra ou vidraça; ou é bom ou mau; ou é santo ou demônio; ou é equilibrado ou louco; ou é esperto ou bobo… De que lado da vida ficar? Que escolha fazer? Como se equilibrar?
Por que ser contra ou a favor se é possível ver o que há de bom em cada lado e ter uma terceira posição? Pior, por que numa situação ser a favor e na outra, similar, ser contra? Agora você diria que cada caso é um caso, que não há incoerência alguma. Será? Por que sempre usar azul se há momentos em que o amarelo até vai bem? Por que se deve ser sempre coerente, congruente?
Seria, Oscar Wilde (1854-1900), dicotômico ou incongruente ao dizer em seu poema “Loucos e Santos”:
“A mim não interessam os bons de espírito nem os maus de hábitos. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo. Deles não quero resposta, quero meu avesso”.
O ser humano foi e continuará sendo assim: ambíguo, ambivalente, dicotômico, incoerente, incongruente, vivendo entre o sonho e a realidade, entre o que é e o que desejaria ser, entre o passado e o presente, entre as vitórias e as derrotas, entre alegrias e tristezas, entre sonhos e realidade, entre altos e baixos de sua existência, sempre em busca de sua eterna construção ou reconstrução.
E é isso que torna a vida atraente, instigante, capaz de, ao propor desafios, oferecer soluções e, a partir das fraquezas, construir fortalezas e castelos.
Fortalezas onde se abrigam fracos e fortes; castelos onde vivem ricos e sonhadores. Fortalezas e castelos construídos com pequenos grãos de areia! Lembre-se apenas de que um castelo não é obrigatoriamente uma fortaleza e vice-versa.
Castelo de areia,
Refúgios dos sonhos e fantasias,
Abrigo das esperanças,
Palco das ilusões…
Castelo de areia,
Contornos perfeitos, estrutura magistral,
Grãos ao sol,
Esplendoroso diamante,
Aparentemente tão sólido,
Incapaz de resistir à primeira onda…
Tão belo quanto falso,
Tão imponente quanto frágil…
Castelo de areia,
Onde escondido também vivi,
Por onde cantei e bailei,
Por onde corri e amei…
Castelo de areia,
Meu último refúgio,
Desfaz-se na água,
Assim como eu.
E agora só restos,
Pequenos grãos,
Insignificantes e desprezíveis,
Assim como eu,
Seguirão pelos tempos
Até que outra mão os escolha,
Os acaricie, os acolha,
E deles faça um novo castelo,
Castelo de areia,
Assim como eu…
Assim toca-se a vida, de vez em quando fortaleza – capaz de resistir a tudo e a todos -, outras vezes castelo – abrigo dos sonhos, das esperanças e das ilusões -, mas, de um extremo ao outro, sempre um grão de areia.
Robson Cruz
Coronel Veterano do Exército e engenheiro civil. Foi professor de estabelecimentos de ensino superior, militares e civis.
Escreveu estas linhas nas quais expressa os sentimentos que o atacaram logo após o falecimento de seu irmão, ocorrido pouco tempo depois do falecimento de sua mãe e de sua irmã.
3 Comentários
Assim também entendo a vida, cheia de contrastes, uma hora você vai e noutra vc vem, ou ambos, ao mesmo tempo. O importante nessas idade e vindas é a consciência, o entendimento para saber quando se está num ou outro movimento, para nele se adequar.
Adorei sua escrita, Robson Cruz.
Vou seguir imulher, para encontrar novas pérolas como essa.
Nossa, que lindo ! Conheço mais poesias deste autor. Na verdade, conheço bem este autor. Ele é uma espécie de super-herói. É um, enquanto meu meu pai e outro enquanto avô. Que honra ser filho de alguém que não apenas possui intelecto, mas também valores. E assim como o grão, soube passar a diante para as novas gerações. Obrigado pai, por ser assim: parte herói, parte pai, ou talvez seja apenas um pleonasmo.
Beijos, seu filho, Vinícius.