Por Ana Cristina Azambuja Tofani
“Acontece no mundo 1 a cada 40 segundos e são mais de 850 mil vítimas por ano. […] No Brasil em torno de 32 pessoas tiram a vida por dia, e é a terceira maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos.”
Muitas vezes as pessoas não comunicam por palavras as suas intenções, mas podem deixar subentendidas em algum gesto, algum comportamento ou numa pintura. A simbologia desta pintura de Van Gogh está associada a morte e melancolia, mas também pode refletir e ir além, transmitindo reflexão sobre liberdade, emoções e sentimentos, pois o campo era um local que ele gostava muito.
Constantemente lemos ou escutamos as pessoas dizerem que a tentativa de suicídio é uma forma de chamar atenção e que quem quer se matar não avisa. Expressar o desejo de morrer pode ser a forma que a pessoa encontrou para dizer que a sua vida está se tornando impossível de levar, quer chamar atenção para a solidão, a falta de sentido, a tristeza, a angústia e o esgotamento que vem sentindo a cada dia. Assim grita pela ajuda dos outros, um grito de socorro para ser ouvida, ser olhada e compreendida em seu sofrimento. Por isso a campanha do “Setembro Amarelo”, e no dia 10 deste mês comemora-se o “Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio”.
A notícia de um suicídio ou de uma tentativa de suicídio é impactante, nos inquieta e mobiliza ansiedades ligadas a aspectos autodestrutivos individuais e sociais, pois é uma forma de se livrar de uma dor insuportável.
A falta de liberdade, o consumismo, o ataque a natureza, o abuso de substâncias tóxicas e o abuso de medicamentos, bem como a tecnologia a serviço do capital e não do homem, o corre-corre do dia a dia impõem às nossas vidas o uso de mecanismos defensivos, sendo a negação um dos mais utilizados, pois nos remete à alienação que nos faz esquecer a impotência sentida diante dos problemas da vida.
Condutas sociais auto destrutivas permitem uma interpretação do comportamento suicida coletivo, pois o suicídio individual pode ser uma denúncia de uma crise geral. Condutas tóxicas e aniquiladoras racionalizam argumentos de que os benefícios são maiores do que os prejuízos, quando se tratam de interesses econômicos. Muitas condutas auto destrutivas se inspiram nos modelos sócio familiares, que possuem uma existência tóxica.
Evidências científicas apontam que o suicídio é um fenômeno complexo: multi causal e multi fatorial. De acordo com a OMS, ocorre em todas as raças, classes sociais, religiões e idades.
Acontece no mundo 1 a cada 40 segundos e são mais de 850 mil vítimas por ano.
Os homens se matam mais, e as mulheres ameaçam mais. No Brasil, em torno de 32 pessoas tiram a vida por dia, e é a terceira maior causa de morte entre os jovens de 15 a 29 anos. Há aumento no índice entre os idosos.
O Rio Grande do Sul está em primeiro lugar no país em taxas de suicídio.
O que leva uma pessoa a procurar o fim da própria vida?
Todo indivíduo tem dentro de si partes sadias e partes adoecidas, e quando as últimas se fortalecem, a destrutividade se instala. O suicídio parece a única saída possível para acabar com o sofrimento, quando o presente parece pesado e o futuro assustador.
O ser humano anseia por felicidade, e vivemos num mundo que a receita do sucesso é estar sempre bem, ser o provedor e não ter vulnerabilidades. Entretanto existem fatores que podem levar à infelicidade, tais como o desconforto com o quadro clínico, com a situação sócio econômica, sofrer bullying e ter alguma doença grave. Nos grupos de risco de suicídio encontramos um histórico de familiares suicidas, pacientes terminais, amigos com suicídio recente, transtornos pós traumático, perda ou rompimento de relacionamento afetivo e pouca ou nenhuma rede social de apoio.
A literatura destaca que devemos ficar atentos às pessoas que tiveram alta de internação recente por uma tentativa, pois poderá haver nova tentativa de suicídio. Sendo assim, diante de situações de vida de difícil resolução algumas pessoas imaginam que morrer seria a única saída; umas podem pensar em suicídio por estarem em situações de depressão, ou com falta de propósito de vida, ou com a estima muito baixa. Alguns irão planejar (momento que é possível intervir) e outros irão colocar em prática. No trajeto entre pensar, planejar e chegar ao ato, há chances de falar sobre o assunto ou buscar ajuda, porém algumas pessoas que pensam ou tentam o suicídio tendem a se afastar e se isolar dos demais. Neste momento é fundamental a família se aproximar para dar um suporte.
Abordar o assunto é de extrema importância, mas o tema é penoso, delicado e cheio de contradições. Nosso papel é falar no sentido preventivo, “quem cala consente”, e falar abertamente pode diminuir o risco de suicídio.
Há uma base na psicopatologia para procurar o alívio ao desconforto intenso. Devem-se observar questões sociais, culturais, econômicas e de personalidade. Dados de história de impulsividade, agressividade e rigidez mental são encontrados no histórico de vida, tentativas anteriores, histórico de transtorno mental, e história familiar. Os possíveis transtornos associados ao suicídio são: depressão, transtorno bipolar, transtorno de personalidade borderline, esquizofrenia, abuso de álcool e outras drogas.
Importante salientar que nem todos que se matam têm um transtorno, e nem todos que têm um transtorno se matam.
Destaco seis causas ou fatores que possivelmente passam na mente da pessoa que quer morrer e se expressam em alterações nos sentimentos e nos pensamentos. A primeira alteração do sentimento é a sensação de “desesperança, a pessoa não consegue planejar o futuro”; a segunda sensação é de “desespero, acha que não é possível esperar”; a terceira é o “desamparo, a pessoa sente que está sozinha nesta dor, que não está conectada, que ninguém a entende e que não há o pertencimento a nada”. As alterações no pensamento: “o sentimento é intolerável, é maior do que pode ser tolerado”; “é inescapável, não tem como fugir”; e “é interminável, vai durar para sempre”.
Uma das formas de prevenir é respeitar o sofrimento do outro e aproximar-se para não desamparar a pessoa com risco de suicídio. E quando há risco deve ser avaliada a intensidade e os níveis do planejamento.
Prevenir também é ficarmos atentos a alguns sinais, tais como as verbalizações de algumas frases que alertam e devem ser reconhecidas e valorizadas: “eu preferia estar morto”, “eu não posso fazer nada”, “eu não aguento mais”, “eu sou um perdedor e um peso para os outros”, “os outros vão ser mais felizes sem mim”, seria melhor sumir”, “seria melhor se ferir”, “seria melhor que a morte viesse”; segundo: quando dá sinais de falta de esperança; terceiro sinal: mudanças bruscas de humor; quarto sinal: menos valia, a pessoa se sente inferior, ou se sente um peso para os outros; quinto sinal: comprar objetos para se ferir ou abusar de medicação.
É importante destacar que esse assunto faz parte da vida, a patologia mental pode acometer qualquer um de nós, mas há um estigma com a doença mental, por isso algumas pessoas não buscam atendimento. Todos podem passar por adoecimento mental e todos passam por situações de crise. Somos diferentes, cada um com a sua história e jeitos de enfrentar a vida e os problemas decorrentes da mesma.
Diante de enorme tristeza e profunda angústia, os profissionais de saúde devem atentar para a intencionalidade da pessoa: o plano, a clareza do plano, a conexão ou desconexão afetiva e como a pessoa expressa as emoções. E principalmente ficar atentos aos já citados quatro Ds: desânimo (desmotivação), desesperança, desamparo (começa a ter comportamento de isolamento) e desespero, achando que o ato de morrer vai acabar com o sofrimento. O desânimo, o pessimismo e a desesperança ocorrem por não ver a possibilidade de um futuro animador, e a pessoa refere que, se não tem a vida que quer, não deseja seguir viva. Planeja, pois quer ter acesso ao meio de escolha e muitas vezes faz uma comunicação direta ou indireta do desejo de cometer o ato.
Como já foi dito, a prevenção é fundamental: a primeira condição para ajudar alguém é saber escutar, uma escuta qualificada, ou seja, ouvir mais do que falar; ficar atento aos sinais; pedir ajuda; acolher; encaminhar para profissionais especializados; e formar uma rede de apoio eficaz para ajudar a pessoa a sair do quadro de desespero e sofrimento, e que a faça investir novamente na vida e não se ancore na morte.
A pessoa em risco sofre, necessita de atendimento emocional para possibilitar um olhar diferente ao futuro. O momento requer comprometimento, empatia e seriedade do profissional.
CVV – Centro de Valorização da Vida – disponível 24 h por telefone 188
Realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, de forma voluntária.
Ana Cristina Azambuja Tofani é psicóloga, membro da SPPA-Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre, mestre em Psicologia Social e da Personalidade, professora e supervisora na Clínica Horizontes.
Contato: (51)999587074
1 comentário
Excelente artigo. É um alerta para todos nós.