Estava há dias pensando em um assunto que fizesse sentido escrever e eis que alguns aborrecimentos me deram inspiração para opinar sobre como estão as relações entre os indivíduos no mundo pós-moderno. De acordo com alguns pensadores, entre eles, o francês Jean-François Lyotard (1924-1998), estamos na pós-modernidade, período em que a humanidade entrou em uma crise de identidade e os indivíduos estão livres para criar tudo de uma forma diferente, contrariando a rigidez de outrora.
Já o sociólogo polonês Zygmunt Baumann (1925-2017) defende a tese de que estamos na modernidade líquida. Mas, o que seria isso? Líquida no sentido de que as relações humanas, com o passar do tempo, estão ficando cada vez mais superficiais e, com o advento da internet, as pessoas estão se vendo cada vez menos. Uma das mais famosas frases dele é “as relações escorrem entre os dedos”.
Na modernidade líquida a quantidade se sobressai a qualidade. Os solteiros se vangloriam da quantidade de “contatinhos” e mostram as fotos para os amigos de véspera. Porque até essas relações estão efêmeras. Quem tem amigos de longa data, e nem é tanto assim, há mais de 5 anos, já pode se considerar privilegiado. Eu tenho amigos com até mais de 20 anos de convivência e sou muito feliz por saber cultivar essas relações. Prezo pelos laços. Portanto, não me satisfaço com o superficial.
Nesse cenário de liquidez, as pessoas são convertidas em peças do jogo de xadrez, em que ganham os mais espertos. E quem cultiva a construção de relações sólidas muitas vezes é visto como antiquado e apenas um peão no tabuleiro, podendo ser descartado quando não tiver mais nada a oferecer. Aqui vale a reflexão fantástica do padre Fábio de Melo sobre o amor e a utilidade de cada um. Link do vídeo no fim do texto.
Amores líquidos?
É aquele que escorre por entre os dedos feito água, é instável, não dura, é superficial, não há entrega de verdade, ninguém está imbuído do espírito de fazer dar certo. No amor líquido, podemos ser descartados a qualquer momento, basta uma das partes vislumbrar uma possibilidade melhor. Não há compromisso! As pessoas não querem aprender com as diferenças e crescer com as afinidades.
Encontrar alguém que queira transformar a relação líquida, chamada de sexo ocasional, ou de “vamos ficando”, traduzindo – sem compromisso – em algo sólido e permanente, é um grande desafio. Se há tanta oferta no mercado, por que investir em apenas uma pessoa que, às vezes, vai me fazer passar raiva?
Aqui voltamos ao padre Fábio de Melo, até quando você será útil? Utilidade essa que pode ser financeiramente, porque muitas vezes as relações são permeadas pelo o que uma das partes pode oferecer, ou pela beleza e um corpo “gostoso”, pronto para malabarismos entre os lençóis. Condição financeira é circunstancial e não deveria balizar uma relação, desde que ambos sejam honestos e trabalhadores, beleza tem prazo de validade, e até a disposição sexual diminui com o tempo, por mais importante que seja em uma relação.
E o que sobra quando esses requisitos não são mais preenchidos?
Companheirismo, amizade, cuidado, atenção e, principalmente, boas risadas entre duas pessoas que já se “pegaram” muito, mas não se concentraram apenas na estética. Se “pegaram” até a profundeza das almas, a ponto de se conhecerem apenas pelo olhar.
Essas mudanças de perspectivas vêm acontecendo em ritmo intenso desde a metade do século XX. Mas, atropelaram todas as teorias com a pandemia, quando, com o crescimento do uso da tecnologia para quase tudo, fez com que o tempo se sobressaísse ao espaço.
Fico preocupada sobre onde vamos parar com a superficialidade das relações num geral. A maioria não está disposta a mergulhar nas profundezas do outro, visto que chegar ao fundo exige tempo e dedicação. A frase “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, do livro O Pequeno Príncipe, do francês Antoine de Saint-Exupéry, quer dizer que quem cativa cria laços. Logo, em relações superficiais, alguém será magoado.
Por isso, essa que vos escreve é considerada fora de moda, visto que ainda acredita nos sentimentos verdadeiros, nas relações que as pessoas buscam se conhecer de verdade, na responsabilidade que devemos ter ao despertar algo em alguém. Costumo brincar que quem quiser entrar na minha vida que venha com os dois pés. Ficar no meio da porta, indeciso, sem saber se entrar ou se sai, porque é mais fácil fugir quando estamos no meio do caminho, não me serve!
Amor líquido – a nova forma de se relacionar
Quem ama, suporta a sua inutilidade
12 Comentários
Muito bem apontado, Liliani. Vivemos uma época de pilares frágeis, temporários e efêmeros, portanto a melhor alternativa ainda é acreditar nos valores que carregamos por dentro, buscar relações sólidas, verdadeiras e assumir a responsabilidade pelo que despertamos em alguém. Não és a única considerada fora de moda, ainda bem. Parabéns pelo texto lúcido e provocativo!
Excelente conteúdo, adoro suas observações Liliane Bento, precisamos rever nossos valores e passar essas percepções aos nossos filhos tmb, pois o líquido até tem seu valor, mas o que nutre é sólido e consistente.
Exatamente Edina. Ensinar a eles que relações profundas, de amizade e de amor, nos trazem muito mais plenitude. Beijos
Obrigada pela sua contribuição, Simone. Infelizmente, valorizamos coisas que são consideradas fora de moda, ultrapassadas. Mas, prefiro continuar assim. Vejo mais verdade nas relações desse jeito, sendo de amizades ou amorosas. Beijosss
Texto perfeito.. como vc bem escreveu, pra que apostar em uma pessoa só, se tem tantas no mercado… a falta de comprometimento, de respeito, de admiração pelo outro esta casa vez mais raro.. mas tbem sou da moda antiga e quero um amor seguro, um homem que eu possa confiar, respeitar, contar e principalmente compartilhar as coisas de um relacionamento..sejam ela boas e as vezes difíceis… e sobre os relacionamentos de amizade, tenho poucos..mas bons amigos..leias e verdadeiros de longa data.. sei q posso contar com eles e eles comigo.. se pararmos para avaliar bem.. é tudo tão fácil né.. só basta a gente querer!! Grata por exelente Texto… me fez pensar bastante.
Que bom Maristela. Acredito que viver na verdade, com relações sólidas, pode ser msais difícil nos tempos de hoje, mas nos faz mais felizes!!! Beijos
Adorei ler este texto agora. E meu olhar se aprofunda sobre os laços de amizade, sentimento até mais generoso do que o amor em relacionamentos. Estou muito decepcionada com os pseudo amigos. Aqueles que ao menor sinal de necessidade de entrega, se escafedem. Ou nem isso. Te ignoram nas redes sociais, te cancelam. Sim, amores líquidos. Escorrem, esvaem. Também não me servem. Já não me bastam. Também sou antiga. Podem me empalhar!😘❤️🙏
Bem isso Vivi. Por mais verdade e entrega nas relações. Beijo
Minha opinião: esse é um comportamento que irá perdurar nas gerações que já nasceram. Mas que, igual a tudo, poderá cansar e retroceder ao comportamento de “relações sólidas” em futuras gerações.
Agora não tem como retroceder… é novo p muitos, libertador para outros e única forma que outros conhecem de se relacionar. Depende de cada um aceitar o pouco que lhe é ofertado
É verdade Túlio. Agora temos que esperar para ver como ficarão as novas gerações.
Parabéns pelo texto 🥰
Obrigada Tatiana!!!