A confissão para a Primeira Comunhão permaneceu mais forte na lembrança do Capitão Salviano que a Primeira Comunhão.
– Uai, não é Primeira Comunhão?
– Tem também, mas não é disso que vou falar. O que é mais importante, tomar a hóstia ou limpar a alma?
Na minha época, primeira comunhão era coisa pra depois, tanto que nem lembro como foi. A primeira confissão foi de amargar…
O padre deu um catecismo pra mãe fazer a preparação e lascou uma ferroada na gente:
– Morrer em pecado vai direto pro inferno. Ali haverá choro e ranger de dentes.
– Choro e ranger de dentes!!! … Será??
Cheguei a levantar o braço pra perguntar, mas na pressa o padre não deu atenção.
“Morreu, acabou. Não chora, nem range dente é nada”, fiquei matutando…
Não acreditei muito na história, mas fiquei meio cismado e isto garantiu mais de uma semana sem novos pecados.
A mãe era mais devagar nos castigos, mas também deixava a gente desassossegado.
– Mãe, matar rolinha é pecado?
Eu perguntava por que tinha marcas no cabo do estilingue que eram de rolinhas derrubadas…
– Rolinha faz mal pra alguém? Ela só come resto de milho no chiqueiro e bichinhos. Pra que matar?
Minha mãe é esperta; ela não responde, mas deixa ver que não pode.
– Porque passopreto e periquito pode?
– Porque estragam a plantação.
– Galinha não estraga e a senhora mata.
– Só que galinha e porco, Deus fez pra gente comer, então pode matar.
Bem, pelo menos descobri algum pecado pra confessar. Até o dia da missa ia achar mais pra contar pro padre.
Minha mãe lia os mandamentos e fazia a gente repetir até aprender.
– Amar a Deus sobre…. Repete.
A gente repetia, repetia, tripitia até não sair mais da cabeça.
– Não tomar seu nome em vão. Repete…
– Mãe, que é “envão”?
Envai, lainvai eu sei. Ela esmiuçava a coisa até a gente entender.
– Então não pode falar “Deus me livre”?
A paciência dela parecia não ter limites. Explicava, repetia, dava exemplos…
– Quarto: Honrar pai e mãe.
Era a vez da minha irmã perguntar:
– Que qui é honrar?
– É fazer o que pai e mãe diz que tem que fazer e não ficar reclamando, muito menos desobedecer.
– Quinto mandamento: Não matar.
– Agorinha mesmo a senhora disse que podia.
– Aqui tá falando de gente.
Então rolinha pode, não é gente! Precisava tirar aquele pecado da minha conta…
Um mês decorando mandamentos e juntando pecados pra contar pro padre no dia da missa.
– Mãe, não é mais fácil fazer uma lista de pecados e entregar pro padre?
– Sabe o que ele vai falar pra você?
– Menino, letra ruim é pecado de escola, quem perdoa é a professora!
Minha irmã, a primeira na fila dos pequenos pecadores, não gastou nem dois minutos com o padre e pensa que saiu com cara de arrependida?
Eu olhei na direção do padre, baixei a cabeça e fui. Ajoelhei e quando ele disse “confesse os seus pecados”, kadê que lembrei de um dos que tinha escolhido!
– Vou te ajudar, falou.
Ele perguntava, acho que as mesmas coisas que fazia quando menino, e eu respondia: sim, não, fiz, não fiz.
Acho que foi “confissão de múltipla escolha”, tipo de prova que os professores somente iriam inventar muito mais tarde.
Uns quatro minutos deu pra ele ficar satisfeito com meus pecados. Passou uma penitência de cinco Pai-Nossos e cinco Ave-Marias e me despachou.
Saí sem olhar pros lados e quase tropecei na minha irmã parada na porta.
– Vai sair sem pagar a penitência, é?
– Tem que ser agora?
– Tem sim. Ele mandou você fazer o quê?
– Rezar cinco Pai-Nossos e Ave-Marias.
– Nóóó, isso tudo! Eu só peguei dois. Você tem muito mais pecado que eu.
– É claro que tenho de ter. Você não mata passarinho, nem jogar pedra sabe!
A comunhão mesmo, esqueci como foi.
O sentido estava no almoço…
7 Comentários
Excelente crônica Capitão! Eu nunca entendi as palavras do catecismo também!!!!
Belas lembranças do meu irmão que memória boa vc tem ..Tenho poucas lembranças da minha ,minha especialidade era mentira(pecado)
Muito bom Salviano sua narrativa sobre a sua primeira confissão. Que memória privilegiada. Que santa mãe, paciente e inteligente nss respostas. Parabéns viu
Muito bom ,lembrei de minha infância q não faltava um estilingue.
Um grande contador de casos, este querido amigo de farda.
Na confissão, ou apesar dela, rsrsrsrsrs. Deus lhe deu está memória afim de nos divertir com suas belas crônicas.
Parabéns!
Olá Salviano vc me levou, através do tempo, a minha vida de criança. Que bela memória a sua. Parabéns e, até a próxima.
Meu irmão, o inferno foi o lugar mais temido que nos fizeram acreditar na nossa inocente e saudável infância.
Deve ter ajudado aos nossos pais na missão de nos conduzir no caminho da obediência, honestidade e na formação do caráter, pois hoje para merecer o tal lugar os pecados são muito bem elaborados !
Esta foi uma bela lembrança da nossa infância , obrigada mano!