Semana passada, narrei fato sobre o poder das palavras. Trago, hoje, mais um fato, este ocorrido recentemente, meio século depois daquele, que também demonstra o poder destrutivo de uma ou duas palavras “mal ditas”.
A vida renova os ensinamentos; estejamos abertos para aprendê-los e praticá-los.
Faz tempo, conheci, no prédio onde moro, uma adolescente estudante de medicina e seu namorado, a qual morava com a avó, proprietária do edifício. Eu os conheci num encontro social dos moradores do prédio e me simpatizei com eles. Notei-os atenciosos um com o outro, carinhosos e pareciam apaixonados. Formavam belo casal.
Passou-se o tempo… Pouco ou quase nada os vi, como é comum acontecer com vizinhos de prédios.
A estudante hoje é médica; o seu então namorado trabalha como engenheiro em construção civil.
Naturalmente, teriam se formado, começaram a trabalhar e imaginei que tivessem se casado, pois demonstraram muito carinho e afeto um pelo outro quando os conheci.
Há cerca de um mês, vi a médica saindo bem cedo, em seu carro, do nosso edifício.
Poucos dias depois, participei de novo encontro social com outros moradores do prédio e, dentre eles, estava o primo do engenheiro namorado da médica. Não mais estavam os namorados de outrora, o engenheiro e a médica.
Em conversa com o primo do engenheiro, perguntei-lhe sobre o casal:
– A médica e seu primo já se casaram? Eles estão morando em outro local? Encontrei-me casualmente com ela saindo do prédio.
Ele respondeu:
– Não se casaram e nem vão mais. Acabou o noivado. E foi por coisa boba.
Diante de meu espanto, ele passou a narrar a “coisa boba” que motivou o desfazimento do casamento que nem chegou a ocorrer.
– Ambos se formaram, trabalhavam e continuaram o namoro. Entusiasmado com a profissão e a autonomia financeira, ele alugou um apartamento e começou a mobiliá-lo, também entusiasmado com a certeza do casamento com ela. As coisas estavam adiantadas e encaminhando-se para o enlace. Num dia qualquer, ele estava numa loja de eletrodomésticos para comprar uma máquina de lavar. Gentilmente e como é a mulher quem diz a última palavra em muitos (ou todos) os assuntos, resolveu telefonar para ela e consultá-la sobre o tamanho ideal da máquina: capacidade de dez quilos? Quinze quilos? Qual seria o tamanho mais adequado para o casal? Ela se aborreceu com a pergunta dele.
Até aí, nada de extraordinário. Apresentava-se uma situação corriqueira de um casal que pretendia se casar e escolheria em conjunto os eletrodomésticos que compraria. Não podia imaginar qual o motivo bobo poderia ter decorrido de situação comum a casais.
O primo continuou a narrativa.
– Percebendo que a namorada se aborrecera com a pergunta, ele disse à namorada que a consultava porque a compra seria para o apartamento do casal e que ele estava tomando providências para o casamento deles. Rude e secamente, ela lhe respondeu que não queria se casar. “E eu quero casar?”, foi a frase que ela lhe disse. A frase foi mais que um balde de água fria; foi uma avalanche, que o soterrou sob frustração e indignação. O engenheiro desligou o telefone, não comprou a máquina, entregou o apartamento e não mais a procurou. Até que um dia, percebendo-o distante, a namorada o procurou em seu serviço, e ele foi categórico para ela: “Agora você vai saber que sou eu que não quer mais casar e nem quer mais te ver”.

O então noivo disse ao primo que a resposta dela foi tão contundente e fria que ele quase desmaiou ao telefone. Foi mais que uma punhalada: foi manifestação de desprezo e de indiferença que o machucara tremendamente.
O ex-namorado disse ao primo que toda a graça que ele via nela, todo o amor que lhe dedicara, todo o carinho oferecido, tudo foi borrado pela lama de uma palavra mal dita.
O primo até argumentou com ele se “não teria sido brincadeira dela”. Ao que ele respondeu que “sentimentos não são para brincadeiras”.
Palavras mal ditas, em momento importante para uma pessoa, podem pôr fim a sentimentos, a amizade, a amor.
Mesmo que aparentemente desimportantes, mas desde que tragam carga de emotividade e sensibilidade, momentos e sentimentos não podem ser desprezados, ignorados e nem ironizados.
Sentimentos devem ser cultivados e regados com carinho, atenção e afeto e não estão imunes a decepções e frustrações. “Sentimentos não são para brincadeiras” e nem devem ser objeto de “palavras mal ditas”.
Higino Veiga Macedo. Coronel do Exército de Engenharia, Veterano da turma de 1971, da Academia Militar das Agulhas Negras. Nascido em Terenos, MS, em 11/01/1948.
2 Comentários
Sempre fui um apaixonado pelas crônicas do cotidiano. Os cronistas, uma espécie em extinção, têm o dom de enxergar nas coisas mais prosaicas, uma nova tendência da moda, um novo comportamento social. Enfim, são capazes de captar as mudanças mais sutis na caminhada da sociedade. Nesse sentido, é uma agradável surpresa me deparar com os textos saborosos dessa revista , a exemplo do Palavra Maldita, do Sr. Higino. Parabéns à direção dessa insigne publicação.
Parabéns Higino por mais uma sensacional crônica cujo tema é sério e de consequências às vezes desastrosas.