Khalil Gibran
Héctor Abad Faciolince, em seu livro “Somos o esquecimento que seremos”, nos lembra que enquanto a felicidade nos parece uma coisa natural e merecida, a melancolia parece coisa enviada de fora. Esta percepção reflete nossa tendência de ver a tristeza como algo estranho, indesejado, quase como uma punição. Mas será que essa perspectiva está correta? E se, na verdade, ela for parte essencial e até mesmo valiosa de nossas vidas?
Livros de autoajuda nunca foram tão consumidos como nos dias de hoje. A ideia de promover o pensamento positivo, atitude positiva, comportamentos positivos, acaba rotulando o sentimento de tristeza como algo nefasto. Em tempo de redes sociais, mais do que nunca, ostentar felicidade é quase a regra, o contrário chega a soar como fracasso. Também uso redes sociais e também gosto de uma ‘autoajuda’ de vez em quando. Uso com moderação e os leio com parcimônia, como instrumento de suporte e não como ferramenta de cura.
Tristeza não é depressão
Tristeza é muitas vezes confundida com depressão. A depressão – transtorno de humor definido, pelo menos em parte, por períodos prolongados e intensos de tristeza – pode ser debilitante. A depressão entorpece as emoções, rouba a energia, e falo por experiência própria, já caminhei por essa estrada. A tristeza temporária altera o seu humor. A depressão muda a sua vida. Felizmente, há uma variedade de opções de tratamento. Ninguém precisa sofrer em silêncio. Buscar a ajuda de um profissional continua sendo a melhor opção.
Aprendi com Carl Jung: “Mesmo uma vida feliz não pode estar sem uma medida de escuridão, e a palavra feliz perderia seu significado se não fosse equilibrada pela tristeza.” Todos experimentamos a tristeza de tempos em tempos. Faz parte e é tão natural quanto a alegria. Estar triste nos convida a olhar para dentro, assimilar as perdas e a avaliar eventos significativos em nossas vidas. A tristeza processada de maneira saudável pode ser uma força transformadora.
Como lido com a tristeza
Fazer terapia me trouxe, entre tantos aprendizados, algumas habilidades de enfrentamento que ajudam a melhorar o humor e processar as emoções. Em primeiro lugar, permitir-me sentir triste. Tento reconhecer as emoções difíceis e aceitar quando não estou bem. E é claro, isso não significa que devo afundar nesse sentimento. Inclusive, cuidado para não insistir nas emoções negativas. Ficar ruminando e entrar em estado de autopiedade pode ser altamente destrutivo. O objetivo é encontrar o equilíbrio, reconhecer que todas as emoções têm seu lugar e propósito.
Embora o contato com amigas traga conforto em momentos delicados, nem sempre preciso de outra pessoa para me levantar o moral. Passear com o Boris (nosso canino) tem efeito catalisador na melhora do meu estado de espírito. Pesquisas científicas comprovam que brincar com animais de estimação aumentam os níveis de produção de oxitocina e dopamina, criando sentimentos positivos. Não tenho a menor dúvida.
Gosto de cozinhar. Acho que pode funcionar como uma forma de meditação ativa. Concentrar-me nas tarefas de preparação dos alimentos ajuda a distrair a mente de pensamentos negativos e traz o foco para o momento presente, reduzindo a ansiedade e a tristeza. Cozinhar se tornou uma cura comum para o estresse ou para a sensação de desânimo, mas existe alguma ciência sobre o porquê esta tarefa pode fazer as pessoas se sentirem melhor. De acordo com estudo publicado no Journal of Positive Psychology, pessoas que frequentemente se envolvem em pequenos projetos criativos relatam sentir-se mais relaxadas e felizes em suas vidas cotidianas. Cozinhar pode não ser a solução, mas qualquer um que precise melhorar o ânimo, deveria considerar mexer nas panelas.
Algo simples como uma caminhada rápida desempenha papel importante para aliviar a tristeza. Caminhar tem as vantagens de ser uma atividade fácil de ser realizada pela maioria das pessoas, gera pouco ou nenhum custo financeiro e é relativamente fácil de incorporar à vida diária. Moro perto de um parque com ampla área verde, onde costumo fazer caminhadas, o que ainda propicia o contato com a natureza, e se possível levo Boris comigo. Três desestressantes numa única atividade. Nada como o poder de otimizar as oportunidades.
Por fim…
Seja qual for a causa da sua tristeza, há maneiras de lidar com ela. Pontuei alguns poucos exemplos de coisas que funcionam para mim. Pode ser diferente do que funciona para outra pessoa. Então não desanime se tiver que tentar várias estratégias distintas antes de encontrar aquela que te beneficia.
Embora não se trate de um sentimento fácil, muitas das maiores realizações da arte, música e literatura ocidentais exploram esse cenário. Na vida cotidiana, também buscamos maneiras de vivenciar a tristeza, pelo menos de vez em quando — seja através da música e da leitura, seja assistindo a filmes tristes.
Ser feliz não significa estar alegre o tempo todo. Procure abraçar todas as suas emoções, aceitar quando elas aparecem, pois cada uma desempenha papel importante nas circunstâncias certas. Ainda que você possa procurar maneiras de aumentar a felicidade, não afaste sua tristeza aleatoriamente. Sem dúvida, ela está lá por uma boa razão.
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7 Comentários
Como sempre, uma coluna para descansar a alma, que traz uma sensação de leveza para o leitor. Obrigada, Si!
Quando bate a tristeza, penso: “vai passar”. Nada na vida é eterno, nem tristeza nem alegria. São momentos.
Procuro realizar alguma atividade para tirar o fogo daquilo que está me entristecendo.
E a vida segue…
Beijo, Si, querida!
A noite escura da alma faz parte do nosso processo evolutivo. É importante aquilo que você traz sabiamente de não excluir a emoção, né?. Fuimos ensinados a operar com a mente racional e a reprimir nossas emoções, mas elas são simplesmente mensageiras, e não temos como cortar o ciclo anestesiando elas. Gratidão, tema profundo e complexo mas trazido com leveza e sabedoria. 🌿💛🙏🏻
Um tema amplo, que pode nos levar a inúmeros pontos de análises. Obrigada, excelente como sempre!
Si, os textos da sua coluna sempre conversam comigo e me fazem refletir. Lembrei de várias passagens de minha vida, como quando minha amiga F. diz: ‘Acolha-se’. Acho esta frase muito potente. Para o ansioso, momentos de felicidade vêm acompanhado de um sentimento de medo de que algo ruim ocorra e estrague a alegria. Concordo com você: é importante trabalharmos essa questão de aceitar mais facilmente as adversidades. Obrigada por dividir tantas reflexões.
Os pequenos contentamentos do cotidiano, as felicidades ordinárias, como enxergar uma pequena planta corajosamente florescendo no asfalto e sentir-se tocado por isso, pode amenizar uma tristeza. Como você bem disse, cultivar o olhar e o exercício para o lado gracioso da vida, pode nos afastar do seu lado mais duro. A vida não é bela, o real não é belo. Nós é que a tornamos assim…
Como mineira, vou parafrasear Graciliano Ramos: o que a vida quer de nós é coragem!… Obrigada, Simone, pelo belo texto! 💜
Sua coluna é cultura sempre, já inicia com a indicação de leituras, excelente!! Precisarmos nos dar o prazer de arrumar “tempo” para fazermos algo prazeroso e que nos faça crescer como pessoa. E dito isso, sua coluna nos faz refletir em relação ao sentimento “tristeza “, no sentido da sua amplitude de significados e como lidar com essa sentimento. Agradeço sempre em dividir sua sabedoria em belos textos!! Beijos