Em julho de 1988, quando voltei dos Estados Unidos depois de um tempo fora, reencontrei o Brasil pela televisão. Nunca fui noveleira, mas era impossível escapar da força de Vale Tudo, um verdadeiro retrato do país naquele momento.
Mais de três décadas depois, me deparo com uma cena caliente da nova versão da novela: Déborah Bloch, 60+, sensual, cheia de autoconfiança, contracenando em momento erótico com Cauã Reymond, 50-. Quase palpável a química entre eles.
Acontece que quando a ficção coloca uma mulher madura no centro do desejo, não passa batido, como pude perceber pelos comentários nas redes: as abordagens, ainda que positivas, vieram carregadas de perplexidade. Acho compreensível, pois ao longo de várias gerações, mulheres foram educadas e levadas a acreditar que, depois de certa idade, seu lugar seria de abnegação e não de protagonismo amoroso e sexual.
Avanços recentes
Na última década, conquistamos avanços históricos no reconhecimento do amor em suas múltiplas formas: o casamento gay legalizado, aplicativos de namoro que oferecem opções para relações não monogâmicas e a mídia celebrando casais LGBTQIA+ como jamais se imaginou.
Agora, quando o assunto é romance entre mulher madura e homem mais jovem, a aceitação ainda tropeça. Mas a idade não deveria ser apenas um número?
Elas ainda se deparam com comentários machistas e rótulos como “cougar”, termo carregado de conotação predatória. Qual seria a versão masculina? Simplesmente não existe. Apesar dos avanços, esse duplo padrão continua limitando a liberdade afetiva feminina.
“Casamento invertido”
A antropóloga Mirian Goldenberg (@miriangoldenberg) se debruçou sobre o tema e publicou o livro Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?, onde conclui que essa combinação pode ser das mais equilibradas, satisfatórias e felizes.
Ela chamou esse tipo de relação de “casamento invertido”: pares que rompem a lógica social dominante, onde o homem é normalmente mais velho ou ocupa posição de superioridade. Em seus estudos, Goldenberg entrevistou casais com diferença de 10 anos ou mais, e muitos homens diziam preferir a maturidade, o humor e a experiência delas.
Em reportagem da Vogue, Goldenberg resumiu:
Para eles, a juventude não é um capital, sendo mais valorizada a maturidade que possibilita uma relação com compreensão, intimidade, bom humor e companheirismo”.
E os números confirmam: segundo levantamento do app Happn, publicado na Revista Lounge, 59% das mulheres solteiras preferem parceiros mais jovens. Entre a Geração X (45 a 60 anos), a receptividade é ainda maior: 63% relatam experiências positivas. Acredito que esses percentuais reflitam a transformação do papel da mulher madura na sociedade
O peso do julgamento
Pois ele existe e pode vir de outras mulheres. A psicóloga Roberta Paya aponta que não é só preconceito, mas também incômodo diante da liberdade da outra — aquela que não se submete, que escolhe, que se assume sexualmente ativa. Explica:
Se uma mulher mais velha deseja e se autoriza viver uma relação sem o peso de filhos, culpa ou dependência, ela provoca questionamentos internos em quem não consegue fazê-lo.”
O etarismo sempre pesou muito mais sobre as mulheres do que sobre os homens.
Quando a ficção dá o tom
Até o início dos anos 2000, o cinema parecia ter uma única cartilha quando o assunto era mulheres maduras com homens mais jovens: personagens solitárias e melancólicas, quase sempre presas a relações desequilibradas (muitas vezes pagas) que não levavam a lugar algum.
Com Alguém tem que ceder (2003), vimos uma mudança de paradigma: Diane Keaton, 60+, brilhante, sendo cortejada por ninguém menos que Keanu Reeves, no papel de um jovem médico apaixonado que chega a propor casamento. Que cena!
Mais recentemente, Uma ideia de você trouxe Solène (Anne Hathaway), 40 anos, divorciada, vivendo um romance improvável com Hayes Campbell (Nicholas Galitzine), 24 aninhos, astro de banda pop.
O filme sugere a seguinte reflexão:
Por que mulheres com mais de 40 anos — e eu incluo aqui as de 50, 60 ou mais — não poderiam se envolver com homens mais jovens?
O ponto é simples: poderiam. Podem. Simples assim.
Não se trata de romper regras morais, mas de romper padrões, de exercer liberdade. O que está em jogo aqui, vai além do amor. É sobre viver sem culpa, sem rótulos, sem pedir licença.
Por fim…
Pensei nisso ao lembrar de 1988. Naquele Brasil, a cena de Deborah e Cauã seria impensável. Não caberia na tela, nem no imaginário coletivo. Hoje ela existe e precisa ser normalizada.
Ainda há um caminho a percorrer até que possamos viver relacionamentos “invertidos” sem olhares atravessados ou julgamentos velados. Mas a ficção e a vida real seguem lado a lado na busca de corroer esse tabu e mostrar o óbvio: não há idade certa para amar ou para desejar.
A idade, afinal, é apenas um número.

9 Comentários
Muito bom o artigo! Muito objetivo ! É importante falar sobre o direito da mulher madura de amar , sem se submeter a julgamentos , preconceitos antigos que depreciam a mulher e limitam o amor à um determinado período da vida! O amor não tem idade e é livre !
É importante falar sobre a alma feminina que é atemporal e livre . Por séculos a sociedade tenta aprisioná-la , mas mulheres vanguarda vencem a luta e abrem caminho à felicidade sem preconceitos .
Excelente artigo, parabéns.
Parabéns, Simone, por tão oportuno texto e reflexao. 🤍
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Muito obrigada!
Beijos
Muito apropriado o texto, especialmente para nós, mulheres 60+
Parabéns!!!
Esxelente seu texto. O pior juiz, pior carrasco é a propria mulher. Presa às correntes de educação religiosa, principalmente, É preciso refletir. Os tempos mudaram e as mulheres também. Viva a vida e viva o amor!
Esxelente seu texto. O pior juiz, pior carrasco é a propria mulher. Presa às correntes de educação religiosa, principalmente, É preciso refletir. Os tempos mudaram e as mulheres também. Viva a vida e viva o amor!
Tenho dúvidas…
Muitas dúvidas.
Mineiramente sou desconfiada. E não por autodepreciação, alguém pode estar sendo se enganando ou sendo enganado. O amor está em crise. Líquido demais para ficar quietinho.
Enfim, é polêmico mesmo. Dá margem para muitos comentários. E olhe que fui casada com homens bem mais velhos. Também é polêmico. Mas, quem sabe? Tudo pode acontecer. Mas torço o nariz para homens mais novos que eu.
Acredito pouco e faço menos ainda
Desculpem as empolgadas.
Estou rindo enquanto escrevo, acreditando que alguém vai levar levar em conta meu comentário.
Que artigo interessante, trazendo reflexões a partir da arte, novelas, filmes… mas o melhor é conhecer casos reais e extremamente felizes e perceber o quanto a Si conseguiu, mais uma vez, fazer um excelente retrato da realidade. Sim, as mulheres podem amar livremente, assim como eles sempre puderam!
Que delícia de leitura, Si! Você tem esse dom raro de misturar memórias, cultura e sentimentos e nos traz esse assunto cheio de preconceito para reflexão Amo como você escreve de forma tão próxima e sincera.