Na semana em que se comemora o Dia Mundial da Alfabetização, o Portalimulher entrevista Adriana Fonseca de Castro, pedagoga, que foi diretora de escola pública por 10 anos e traz sua rica experiência como profissional da educação.
Portalimulher: Por que você se tornou diretora de escola?
Adriana – Eu trabalhava como pedagoga na gerência regional e supervisionava cerca de 10 escolas. Uma delas, mal dirigida, precisou sofrer intervenção e eu fui indicada. Aceitei a indicação diante da promessa de que ficaria na escola por apenas 3 meses. Os 3 meses se transformaram em 10 anos, pois fui eleita e reeleita para o cargo. Percebi, também que o trabalho somente apresentaria resultados depois de uns 2 anos e optei por permanecer na direção.
Portalimulher – Por que houve necessidade de intervenção na escola?
Adriana – Não se acaba com uma organização de um dia para o outro; há um processo que se instala aos poucos. Direções anteriores não deram a devida atenção à escola, que se foi degradando. Escola pichada, buracos nas salas de aula, goteiras no telhado, instalações depredadas. A escola tinha péssima aparência.
As escolas, assim como empresas, são o espelho do diretor e gestor.
Portalimulher – E o ensino?
Adriana – A escola não era um educandário; tinha de tudo, menos aula. Até tráfico de drogas no interior da escola. Durante o horário da merenda, os alunos faziam guerra com os pratos de alumínio e havia comida espalhada por toda parte. Quase diariamente, a polícia era chamada para atender a ocorrências na escola.
Portalimulher – Quais as primeiras providências?
Adriana – As primeiras providências foram colocar traficantes para fora da escola e alertá-los que ali não mais seria tolerado o tráfico. Colocar os professores nas salas de aula para ensinar e colocar os funcionários para trabalhar. Conscientizar os alunos que eles estavam entrando num espaço de educação, para receberem informação e formação. Informação sobre Geografia, História, Português, Matemática e demais matérias; formação de hábitos de higiene, de comportamento, de educação e de ambiente. Conscientizar os pais para levarem os filhos à escola, onde eles passariam a receber formação e informação.
Portalimulher – E depois?
Adriana – A par da educação e dos hábitos de higiene, dei meios para os alunos manterem a escola limpa e organizada. Coloquei lixeira em todas as salas de aula e nos corredores, no refeitório e jardins. Os alunos criaram hábitos de higiene e limpeza.
Tive de exigir que os professores, que bebiam café e deixavam o copo sujo em cima da mesa, dessem o exemplo.
Portalimulher – Você enfrentou reações?
Adriana – De toda espécie. As maiores partiram dos professores e tiveram início quando proibi os professores de estacionar o carro no pátio da escola. O pátio deveria ser o local de atividades e de recreio dos alunos.
Dentre as reações, enfrentei denúncia de que promovia trabalho infantil e trabalho escravo na escola. Tudo porque a escola tinha uma área gramada e arborizada, onde os alunos brincavam no intervalo das aulas. Como a área estava com muitas folhas, incentivei os alunos a limpar a área e retirar as folhas com rastelos, enquanto outros recolhiam as folhas em sacos de lixo. Alguns professores me denunciaram por abuso de poder. Fui afastada durante o andamento do processo. Fui absolvida e retornei ao cargo. Este foi um dos 3 processos a que tive de responder. Também fui absolvida dos outros 2.
Para modificar o ambiente da escola, eu não podia transigir e nem barganhar. A escola exigia firmeza de atitudes para que se restabelecesse.
Há muita reação a novidades, que tiram as pessoas do comodismo e da letargia, e à implantação de nova mentalidade e novos hábitos, mesmo que sadios e benéficos.
Portalimulher – Como você conquistou o apoio dos professores?
Adriana – Valorizando-os e aprimorando seus conhecimentos. Levei projetos pedagógicos para a escola, que ministravam cursos e aulas para os professores durante o horário de trabalho. Eles se aprimoraram. Dando exemplo. Estando presente na escola.
O gestor tem de atuar em todos os setores da escola, assim como da empresa. No caso da escola, ele tem de atuar com pais, alunos, professores e funcionários. O elo mais fraco da corrente fará com que a corrente se rompa, o que poderá comprometer o objetivo pretendido.
Portalimulher – Como foi o contato com os pais?
Adriana – Eu ia à casa dos alunos conversar com os pais em ocasiões especiais, além das reuniões que realizava com eles. O aluno chegava na escola portando arma, eu acompanhava o aluno a sua casa e levava a arma para o pai dele. O aluno brigava, eu ia conversar pessoalmente com os pais dele.
Inicialmente, uns pais me recebiam bem; outros, não. Eu insisti. Com o tempo, os pais foram se acostumando, passaram a ser meus parceiros na educação do filho e aceitavam minha visita com boa vontade, pois entenderam que a escola buscava o melhor para o filho deles.
Portalimulher – Que lições você tirou da direção da escola?
Adriana – A organização é fundamental em qualquer atividade: na escola, em empresas, na sociedade.
A fiscalização e o acompanhamento das atividades pela direção.
O conhecimento do que se faz e do que se pretende alcançar.
O exemplo que o gestor e os funcionários devem dar.
O foco na atividade principal da organização. Sempre repeti para os professores e funcionários a frase que “a escola é feita para o aluno e não para dar emprego a funcionários e nem a professores”. O aluno, peça principal da escola, tem seus direitos, mas a escola exigia dele a contrapartida em forma de respeito, pontualidade, cumprimento das obrigações, educação no trato com colegas e funcionários.
A disciplina é essencial. Para os alunos, eu dizia a frase “o professor é o educador e quem ensina; então o aluno deve obedecer-lhe”. Os alunos tinham liberdade para denunciar excessos, caso eles fossem cometidos.
Cuidado e limpeza. O ambiente limpo e cuidado induz ao cuidado e à limpeza; o ambiente descuidado leva a maior descuido e degradação.
União de todos em torno dos objetivos da escola. A comunidade, os professores, os funcionários e a direção se uniram em torno dos mesmos objetivos. A comunidade participava das atividades da escola. Os professores tinham cursos de aprimoramento durante o horário escolar. Os funcionários eram valorizados. No final, todos viam o resultado de seu trabalho, o que servia de motivação.
1 comentário
Um exemplo de determinação em prol de um objetivo educacional.