‘Eu estava atrás do sobrenatural, do mitológico, do lendário’
Esta ‘Tribuna i’ reverencia um gênero literário pouco explorado no Brasil e também uma das únicas mulheres a se aventurar por este universo. Nosso bate-papo desta semana é sobre literatura fantástica e nossa convidada especial é a autora gaúcha Rosane Da Veiga Faria, que lançou a primeira parte da trilogia “Árvore de Família: a morte de um é a herança do outro”, em setembro de 2021. A obra vai além do sobrenatural, do mitológico, do lendário, e resgata a trajetória dos povos pomeranos como imigrantes, mostrando os sacrifícios que fizeram para dar uma vida decente a seus descendentes.
De acordo com a autora, o livro se encaixa no Realismo Mágico, pois há muito simbolismo, mas também um olhar crítico sobre as crenças e comportamento dos seres humanos nele.
Se você ainda não leu ‘O colar que se quebrou’, livro 1 da trilogia, corra, porque a segunda parte, ‘A Casa das Sombras’, deve sair do forno ainda em 2023, com edição da Pragmatha. Certamente será uma oportunidade única de desvendar os mistérios do gênero além de compartilhar o conteúdo riquíssimo trazido pela autora, fruto de 10 anos de extensa pesquisa, incluindo viagens para lugares onde há a presença de colônias pomeranas no Brasil e Exterior, chegando às margens do Mar Báltico.
Portal iMulher: Como você chegou a esse gênero, literatura fantástica, ainda pouco explorado no Brasil?
Rosane Da Veiga Faria: Esse gênero me fascina. Desde que aprendi a ler, fui atraída pela literatura fantástica que envolve ficção científica, realismo mágico, sobrenatural. Enfim… Gosto de tudo que possa me tirar da realidade e do tempo presente. Assim, escrever esse gênero é bastante natural para mim.
iMulher: Como foi o processo de criação literária de “Árvore de Família”, como surgiu essa história?
Rosane: Árvore de Família iniciou porque decidi desafiar a mim mesma. Em um documentário sobre Tolkien, eu tive a revelação de que ele tinha baseado todos os seus personagens, menos os hobbits, e o mundo da Terra Média na mitologia nórdica. Achei tão interessante. O desafio que fiz? Buscar uma mitologia entre os povos do planeta para embasar uma história. Nessa busca, descobri tribos no Norte da Alemanha e Polônia com mitologias milenares. Em seguida, as pesquisas mostraram que essas tribos mais tarde vieram a formar o Reino da Pomerânia; cavando mais, cheguei ao fato de que os pomeranos imigraram para o Brasil. Em um primeiro momento para três lugares: São Lourenço do Sul no Rio Grande do Sul, Região do Testo em Santa Catarina e Santa Maria do Jetibá no Espírito Santo. Uma luz acendeu dentro de mim. E lancei uma pergunta no ar: e se esses seres mitológicos existissem? Como seria? Na verdade, eu não tinha como objetivo escrever sobre nenhum povo ou sobre imigração no Brasil nessa época. Eu estava atrás do sobrenatural, do mitológico, do lendário. O meu objetivo desde o princípio foi escrever uma história fantástica, mas a história dos pomeranos me cativou. Hoje, a cultura pomerana é praticamente desconhecida dos seus conterrâneos brasileiros. Por isso, eu decidi divulgar sua trajetória como imigrantes, que não é muito diferente de todos os outros povos que imigraram. Pessoas enfrentando com coragem o desconhecido pela promessa de uma vida melhor, encontrando muitos obstáculos, desafios, fazendo sacrifícios e arriscando a própria existência para dar uma vida decente para os seus descendentes. Porém, os pomeranos tiveram o agravo de serem muito diferentes dos outros imigrantes em termos culturais e religiosos, seu caminho foi muito duro. Então, o meu interesse tornou-se crescente. Resolvi visitar os lugares, onde esse povo, tão rico em cultura, tinha se estabelecido no Brasil, sendo que mais tarde visitei um de seus lugares de origem, a província de Mecklenburg-Vorpommern no Norte da Alemanha. Nessa altura, eu já tinha tecido o esboço da história sobrenatural do livro.
iMulher: Que elementos discursivos poderiam ser elencados para a caracterização de literatura fantástica?
Rosane: A literatura fantástica dá vida aos elementos da imaginação e da fantasia, elementos que não existem em nossa realidade como fato comprovado.
iMulher: Teórica e criticamente, existe uma separação visível entre a fantasia e o fantástico?
Rosane: Não, o fantástico é a expressão da fantasia e da imaginação. A literatura fantástica engloba vários tipos de fantasia, pois existem várias formas de escrever sobre o fantástico. Por exemplo, Gabriel García Márquez criou o gênero chamado de realismo fantástico ou realismo mágico, ou seja, mistura realidade com situações repentinas de fantasia, que atordoam o leitor, também utiliza muito o simbólico, e o diferencial é ter uma crítica social. Os contos de fadas também tratam de fantasia, mas são dirigidos para o público infantil, tendo um cunho moral ou de advertência dos perigos da vida. As lendas são narrativas vindas da imaginação popular, assim como as narrativas mitológicas. Dentro da literatura fantástica, também há histórias em que o terror é o mote, a magia envolve, outras o sobrenatural permeia tudo, também há aquelas com paisagens de sonhos, ou que falam de um futuro distante. A literatura fantástica subdivide-se em vários temas.
iMulher: Como você observa a relação entre a literatura fantástica e a crítica literária?
Rosane: Como qualquer gênero há obras boas e ruins na literatura fantástica. Os críticos devem avaliar cada uma dentro do que consideram uma boa ou má literatura. Há autores consagrados no gênero, como Gabriel García Márquez no realismo mágico, inclusive recebeu o Nobel de Literatura, Isaac Isimov no campo da ficção científica e Tolkien na fantasia. Isso demonstra o reconhecimento do gênero pelo público e crítica.
iMulher: Qual influência autores estrangeiros de literatura fantástica exercem sobre o mercado nacional? Quais autores mais inspiraram a tua escrita? Algum brasileiro (a)?
Rosane: A literatura fantástica tem mais leitores e escritores em outros países. No Brasil, segundo as listas de mais vendidos da Publishnews, o brasileiro gosta de ler biografias e autoajuda. Eu considero Tolkien o papa do fantástico, também admiro a incrível imaginação e as descrições detalhadas de J.K. Rowling. Adoro a estrutura da narrativa feita por George R.R. Martin na sua obra Game of Thrones. Além do mais, a maneira de Gabriel García Márquez juntar momentos cheios de fantasia com crítica social em algumas de suas obras, é soberbo. Acredito que esses autores me influenciaram. O autor brasileiro que mais admiro é Machado de Assis, o seu sarcasmo é maravilhoso. O interessante é que ele iniciou seu período realista com uma obra chamada Memórias Póstumas de Brás Cubas cuja narrativa se desenrola através do olhar crítico de um defunto sobre a sua vida e a sociedade na qual estava inserido. Algo um pouco fantástico, não acham?
iMulher: Fale um pouco sobre os principais protagonistas de “Árvore de Família”?
Rosane: Árvore de Família: a morte de um é a herança de outro é uma trilogia. Neste primeiro volume: o colar que se quebrou, os protagonistas principais são Biba, Naara e Theo. Gostaria de ressaltar que fui influenciada pela técnica de George R.R. Martin de escrever os capítulos sob o ponto de vista de alguns personagens de forma alternada. Nem todos os personagens principais contam a história, ela também é contada por alguns personagens secundários como: Edi, Vester, Denis, Petra, Pastor Carsten e Zuuren. Os personagens narram seus assuntos, suas opiniões e vão se entrelaçando durante a história.
Biba é fotógrafa, acredita em tudo que cheira a magia, que tenha algum toque de sobrenatural ou místico. É bastante irreverente, impulsiva e direta. Herda uma casa na zona rural de Santa Catarina, onde se depara com uma assombrosa herança familiar. Esse fato irá interferir e transformar toda a sua vida.
Naara é uma médica e prima irmã de Biba. Ela trata do caso do tio Gratiano, que aparece congelando no hospital onde ela trabalha em pleno verão de Porto Alegre. É uma pessoa boa, mas seu defeito é querer sempre agir com correção, dentro do “politicamente correto”. Ela quer se encaixar no sistema, naquilo que já existe, naquilo que considera “normal”. Ambiciosa, ela tem como meta ser alguém na sua área profissional. Por conseguinte, não acredita em nada que não possa ser comprovado por fatos. Mesmo quando por culpa da prima se vê envolvida pelo sobrenatural, não consegue acreditar nos seus próprios olhos e ouvidos.
Theo é um misterioso estrangeiro. Quando se deparou com a notícia de um homem congelando no sul do Brasil, sendo que nenhum tratamento revertia a sua situação, o alarme da esperança soou dentro dele. Ele viu nessas evidências semelhanças com uma maldição que vem assombrando sua família há anos. Decidiu vir da Austrália, onde mora, para o Brasil, assim, iniciou uma investigação sobre o estranho fenômeno. A partir daí, envolveu-se nas aventuras fantásticas, que decorreram desse acontecimento surreal.
iMulher: Qual o tema principal de “Árvore de Família”, existe alguma mensagem que você quis passar ao leitor?
Rosane: Essa é uma história que mistura a narrativa fantástica de seres e situações inacreditáveis baseadas no universo mágico do povo pomerano com sua cultura e sua história. Neste primeiro volume, Naara, Biba e Valentine são três amigas, que se deparam com um fato surreal: o pai de uma delas inicia um processo de congelamento em um dos verões mais quentes de todos os tempos em Porto Alegre, Sul do Brasil. Nenhum médico ou cientista consegue explicar o motivo de não conseguirem reverter o fenômeno. Um desconhecido vem da Austrália para investigar o ocorrido, pois ele busca uma linhagem de sua família há muito tempo perdida, que passou pela mesma desafortunada condição. Revela, então, que esse acontecimento está relacionado à quebra de uma maldição que sofrem alguns descendentes de sua família há várias gerações, desde o tempo em que habitavam o Reino da Pomerânia. As amigas começam uma corrida para juntar o quebra-cabeça do motivo da maldição ter sido rompida e salvar Valentine, a descendente do homem congelado, que corre o risco de ter o mesmo destino que o pai. Nesta jornada vão se deparando com eventos assombrosos e seres fantásticos. E acabam tomando conhecimento do que todos sabem: o tiro da bruxa, depois de lançado, se for quebrado de maneira indevida, sela o destino do amaldiçoado de maneira fatal.
Em relação a mensagens, a obra expressa as minhas crenças: a Liberdade é o direito maior do indivíduo, a Ética deve ser o seu Norte e cada um pode acreditar no Imaginário que quiser. Acredito que muitas coisas ruins acontecem com pessoas boas, porque a vida não tem sentido. O melhor que podemos fazer é nós mesmos darmos um sentido para nossa vida e tentarmos alcançar a felicidade, lutando pelo objetivo escolhido e por nossa liberdade individual, que é o fundamento da criatividade. A maneira de melhorarmos nosso destino é através da energia de nossas mentes, tentando sempre pensar e agir de maneira positiva, pois somos seres criadores da realidade a nossa volta, dando forma a ela através da maneira que encaramos essa vida sem nenhum sentido. Com certeza, as mensagens estão lá explicitas ou nas entrelinhas. Por tudo isso considero meu livro mais próximo do Realismo Mágico, pois há muito simbolismo e um olhar crítico sobre as crenças e comportamento dos seres humanos nela.
iMulher: “Árvore de Família” é a primeira parte de uma trilogia. Como anda a produção do segundo livro e qual a expectativa de lançamento?
Rosane: O segundo livro está sendo produzido com todo o carinho. Acredito que será lançado no segundo semestre.
iMulher: Por que o leitor que está conhecendo você agora deveria ler “Árvore de Família”?
Nossa convidada responde em áudio, confira!
FICHA TÉCNICA
Título: Árvore de família: a morte de um é a herança de outro [Livro 1 da Trilogia – O colar que se quebrou]
Autor: Rosane da Veiga Faria
Editora: Editora Buqui, 2021
Páginas: 634
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16 Comentários
Um dos melhores livros que li nesses últimos tempos. Uma trama muito bem tecida, enraizada na mitologia, magia e fantasia do povo pomerano, ambientada no presente, carregando consigo magia de um longínquo passado que é quebrada, repercutindo entre os herdeiros de uma família.
Agradeço a autora por nos transportar a esse mundo repleto de suspense e aventura que nos prende à leitura, do começo ao fim!
Parabéns Rosane da Veiga Faria!!
Parabéns, cara amiga Rosane pela bela entrevista e pela brilhante obra! Eu recomendo!
O livro é maravilhoso
Parabéns Rosane!
Parabéns, Rosane !Tua obra é muito linda e fscinante !Adorei a entrevista,ela nos enriquece e estimula o gosto pela leitura!
Li o primeiro volume de Árvore de Família e recomendo. Descendente de pomeranos que sou, me identifiquei em várias situações. A autora soube criar uma ficção baseada em costumes e crenças deste povo sofrido.
O livro Árvore de Família é muito envolvente e surpreende pela magia do sobrenatural e pelas histórias dos Pomeranos e suas crenças. Envolvente a medida que se desenrola as descobertas dos personagens . Misterioso. Uma ótima leitura que prende a atenção do começo ao final da trama. Gostei muito e estou aguardando o próximo. 👏👏👏👏👏👏
Excelente entrevista com Rosane da Veiga Faria. Com muita propriedade, a escritora explica sua incursão pela literatura fantástica e conta os alicerces de sua Trilogia. Para quem, como eu, já leu o primeiro livro, um acréscimo muito importante e uma espera ansiosa pela “Casa das sombras”, o livro segundo dessa obra literalmente fantástica.
Muito boa esta entrevista e o depoimento da Rosane, falando um pouco mais da sua vida e do seu gosto pela leitura, e falando principalmente do seu livro. A literatura fantástica tem muitos leitores pelo mundo, aqui está começando a ser mais conhecida. Acho ótimo ter uma autora mulher, em um universo muito masculino! Li o livro e gostei muito, recomendo!
Muito legal a entrevista com o depoimento da Rosane. Não temos muitos títulos que relatam a história dos Pomeranos. Parabéns pelo sucesso do livro.
Bom dia querida Rosane. Parabéns pela entrevista. Gostei demais do teu depoimento e aguardo ansioso teu novo livro.
Um grande abraço.
Zfab
Entrevista Fantástica.
Fiquei fascinada e curiosa.
A falta de magia endurece a mente e o coração da gente.
Parabéns!!!!!!!!
Adorei a entrevista, fiquei curiosa para ler o livro!
Amei a entrevista, parabéns! Como a maioria dos leitores do primeiro volume, estou aguardando ansiosamente pela segunda parte. Este livro é daqueles que a gente não consegue parar de ler e vai aos poucos desvendando os mistérios que vão surgindo. Super recomendo!
Adorei a entrevista da autora que resume de forma inteligente nos instigando aprofundar na leitura do livro.
A autora e sua equipe são pessoas maravilhosas. Tive a oportunidade de andar pelos atrativos do roteiro Caminho Pomerano com a Rosane, como forma de mostrar os aspectos históricos e culturais ainda presentes na nossa zona rural. OS pomeranos aqui em São Lourenço do Sul (RS), formaram uma pujante colônia dedicada a agricultura, turismo e comércio. Abraço amiga e muito sucesso, o livro é um sucesso!
Aos amigos acessem o site do Caminho Pomerano e conheça: http://www.caminhopomerano.com.br
Li o livro e aguardo o segundo da trilogia com vontade de devorar. Uma ficção tão bem escrita que nos faz crer que existe o esotérico. Mostra também comportamentos de pessoas de uma classe média iminente de Porto Alegre, onde vivem a maioria dos protagonista, com requintes paroquianos sem deixar a trama sair do roteiro extraordinário. Mas a descrição dos cenários que para mim é o diferencial da obra. Feito com a regulagem perfeita para que possamos imergir no conto como se estivéssemos lá. Parabéns minha amiga Rosana.