O dicionário “Vocabulário Jurídico” define guerra como “a luta armada feita entre dois ou mais Estados para solução de conflito havido entre eles, que não se tenha podido resolver por outro meio” (SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro, 1977, Ed. Forense. P.388). Palavras que chamam a atenção na definição: “luta armada” e “solução de conflito”.
“Luta armada” porque a guerra é o último recurso empregado pelos Estados para a solução de conflitos, quando todos os demais meios – legais, diplomáticos, intermediação – foram esgotados. “Solução de conflitos” porque os conflitos não existem apenas entre Estados ou em guerras; eles estão presentes na paz, no cotidiano e em todos os campos da vida humana – pessoal, profissional, religioso, comercial, esportivo, moral. Dois times, que disputam a vitória em qualquer esporte, travam guerra. Guerra sem mortos e sem sangue, é verdade; mas é disputa, é luta, é guerra.
Lojas e empresas disputam a preferência dos clientes por diversas formas – venda do melhor produto, melhor preço, liquidações, promoções. Fornecedores e fabricantes disputam o mercado. Estações de televisão e de rádios disputam a audiência. Políticos disputam votos. O casal que se divorcia encontra-se em conflito. Eu entro em conflito comigo mesmo quando meus demônios interiores me intuem para praticar o mal e meus anjos protetores me aconselham a trilhar o caminho do bem. Conflitos são diários, frequentes e diversos.
Quando não resolvem seus conflitos, dois países apelam para a luta armada. Quando não resolvem seus conflitos, pessoas físicas e jurídicas apelam para a Justiça – lenta, cara, desgastante e de resultado duvidoso e incerto. Bastante conhecido o jargão dos advogados que diz que é preferível o mau acordo a boa demanda. Assim, o melhor é buscarmos por nós mesmos a solução dos conflitos nos quais nos envolvemos ou que nos envolvem sem que o queiramos: é mais fácil, mais rápido, mais barato e menos desgastante. Mas temos que estar preparados para saber enfrentá-los e solucioná-los favoravelmente.
A guerra não é travada de maneira aleatória ou casual; exige estudos, planejamento, análises de todos os aspectos que a envolvem e tem princípios que a norteiam. Os princípios de guerra foram consolidados depois de estudados e confrontados com batalhas históricas. Mas os princípios de guerra são perfeitamente válidos e adaptáveis para a solução de conflitos comuns, humanos, comerciais, industriais, gerenciais e empresariais.
O filósofo e estrategista chinês Sun Tzu escreveu o livro “A arte da guerra” há cerca de 2.500 anos e, até hoje, os princípios que ele ensinou são válidos e são estudados pelos principais exércitos do mundo. Tem mais: o livro saiu da estante dos militares para a estante de empresários, gerentes, políticos, comerciantes, estudiosos e pessoas interessadas na solução de conflitos.
Reforço que, quinzenalmente, esta coluna trará para os interessados o estudo dos princípios de guerra ditados por Sun Tzu, adaptados para a solução de conflitos e de disputas que povoam o cotidiano, particularmente nas áreas empresarial, gerencial e comercial.
Se Sun Tzu é estudado em razão dos princípios que estabeleceu para planejar guerras e batalhas – conflito mais difícil que existe porquanto envolve mortes, feridos, sangue, perdas incalculáveis, dores, destruições, sacrifícios e conflitos de toda ordem; com maior razão deve ser estudado para auxiliar na solução de conflitos menores. Mas, antes de nos aprofundarmos no tema, vamos conhecer melhor o protagonista dessa história? Ora, se falaremos de Sun Tzu, devemos saber quem foi ele, em que época viveu e qual o seu legado.
Quem foi Sun Tzu
Pouco se sabe sobre quem escreveu os treze capítulos do livro “A arte da guerra”. Autores o situam mais ou menos no ano 500 a. C.; outros, em 300 a. C. Historiadores há que defendem a ideia de que Sun Tzu não tenha sequer existido e que os conceitos do livro seriam originados da condensação, feita por conhecedores do tema, de estratégias militares praticadas durante certo período de tempo. Ainda que ele não tenha existido, as ideias a ele atribuídas venceram o tempo e ainda hoje são consideradas relevantes e são estudadas. Alguém já disse que pessoas medíocres debatem pessoas; pessoas medianas debatem fatos e pessoas intelectualmente superiores debatem ideias. O corpo físico desaparece; as ideias permanecem; então, vamos debatê-las.
As poucas biografias de Sun Tzu dizem que ele foi súdito do rei da província de Wu e que ele viveu durante o período “clássico da China”, caracterizado por intensa conturbação política, disputas territoriais e guerras entre as províncias. Assim sendo, ele viveu em período de muitos conflitos, que serviram de campo de observação para que ele formulasse suas ideias e até as colocasse em prática. Portanto, em tendo existido, Sun Tzu não é simples teórico.
Sabe-se que, no comando de exércitos, notabilizou-se por vencer muitas batalhas utilizando os conceitos que foram mais tarde reunidos no livro “A arte da guerra”. De qualquer forma, é inegável que o livro atribuído a Sun Tzu influenciou e ainda influenciará as relações de conflitos e disputas bélicas ou pacíficas, de empresas ou de exércitos ou mesmo de pessoas ou de grupo de pessoas. Havendo relação de interesses ou de disputas, os ensinamentos de Sun Tzu serão úteis para contribuir para a solução dos conflitos.
Cabe notar que, apesar de Sun Tzu tratar de guerra, seu livro não é apologia à guerra ou à violência. Ele defende que a guerra somente deve ser deflagrada quando não mais houver opções e forem esgotados todos os meios pacíficos para a solução dos conflitos. A expressão latina “ultima ratio regum” diz exatamente que a guerra é o último argumento dos reis. Há afirmações no livro de Sun Tzu que confirmam essa assertiva:
“O bom guerreiro não é belicoso, o bom guerreiro não se enraivece, aquele que conquista o inimigo não tripudia sobre ele.
Outro princípio famoso dele:
“Lutar e vencer em todas as batalhas não é a glória suprema; a glória suprema consiste em quebrar a resistência do inimigo sem luta.”
Esta visão da guerra e da solução de conflitos valoriza o equilíbrio, prega a vitória por meio da inteligência, defende a predominância da racionalidade sobre a ira e vai contra a tomada intempestiva de decisões e de ações.
Feitas as devidas formalidades e feita a apresentação de Sun Tzu aos prezados leitores, que já tomaram contato com duas de suas ideias, podemos voltar a falar dos princípios de guerra. Assim como eu, espero que passem a conhecer, admirar e estudar Sun Tzu, que tem muito a contribuir para todos nós.
Até a próxima coluna!
11 Comentários
Cláudio, gostei do artigo, meus parabéns! Forte abraço!
Cel Cláudio é um grande sábio. Parabéns pelo artigo e por compartilhar seu conhecimento!
Gostaria de ter acesso aos artigos que se seguirem. Grande abraço.
Que legal, Marlise, a coluna é quinzenal, sempre neste espaço.
Muito bom artigo. Aguardo continuação no próximo capítulo.
Parabéns ao Cel Veterano Cláudio.
Muito boa suas ideias de nos abrilhantar com estes fatos que as vezes ficam esquecidas no fundo de nossa memória. Seguirei sempre bebendo destes conhecimentos. Parabéns meu grande amigo.
Este livro é um clássico. Já li “A arte da guerra” mais de uma vez e sempre me deparo com alguma passagem inspiradora. Um pouco de cultura milenar, que teremos o privilégio de apreciar por intermédio deste colunista. Parabéns, Cláudio!
Gostei da sábia orientação de ” buscarmos por nós mesmos a solução dos conflitos “.
Uma pessoa que afirma” a glória suprema de um guerreiro consiste em quebrar a resistência do inimigo sem luta”merece minha admiração. Portanto já sou fã de Sun Tzu.
Agradeço a você por nos brindar com esses conhecimentos.
Parabéns ao Cláudio Duarte, pela inteligência e leveza. Dá gosto ler a sua coluna. Foi uma excelente escolha da revista. Espero poder ler e aprender muito mais com seus conhecimentos nós futuros artigos.
Uma boa sorte.
Introdução clara, objetiva e abrangente, prenúncio de bons artigos a virem em seguida. Aguardo ansioso….
Parabéns Cláudio .
Gostei muito do texto . Realmente o bom é debater ideias.