“Pronto, vamos usar a louça bonita. Vamos beber o que estávamos reservando para ‘uma ocasião especial’. Sem dúvida, ‘uma ocasião especial’ é qualquer ocasião à qual a alma esteja presente.”
Clarissa Pinkola Estés, em ‘A ciranda das mulheres sábias’.
A partida prematura de uma jovem cantora, no auge dos seus vinte e seis anos no início do mês, me levou a pensar sobre a morte, o fim da vida biológica. Ninguém gosta de falar a respeito, utilizamos sempre uma série de eufemismos ao nos referirmos a ela para simplesmente não pronunciar essa palavra. A verdade é que sempre mantivemos este assunto distante dos nossos pensamentos, como um tabu, até que a pandemia bateu-nos à porta.
Ainda que morrer seja inerente a condição humana, pensar sobre isso nos aproxima do sentimento de finitude, o que torna essa reflexão tão desafiadora. Viver e morrer constituem os dois extremos de nossa existência: do momento em que nascemos, cada dia que passa torna-se um dia a menos no calendário da vida e não um dia a mais.
Saber que vamos morrer deveria fazer-nos confrontar o modo como estamos vivendo. No dia a dia nos distraímos com tantas pequenas ilusões que esquecemos do que realmente importa, coisas simples que deixamos passar despercebidas e geralmente o dinheiro não pode comprar.
Que lições podemos aprender com a morte para qualificar nossa breve passagem por este mundo?
Às vezes tenho a sensação de que não aprendemos lição alguma.
Quantas vezes encontramos velhos amigos e encerramos a conversa com o velho “vamos combinar”, ”te ligo”, “a gente se vê”? Não combinamos nada, ninguém liga e a gente não se vê. Assim é e a vida vai passando. Vivemos como se não houvesse amanhã, como se fossemos imortais.
Temos consciência de que somos finitos e com prazo de validade, mas não agimos de acordo com essa afirmação no cotidiano. Estamos sempre esperando a “hora certa” de fazer alguma coisa, só que essa hora nunca chega. Usar a melhor louça, abrir o melhor vinho, vestir a melhor roupa, como se não fôssemos merecedores do melhor que podemos ter.
Se a morte é a única certeza que trazemos na vida, sua primeira lição deveria ser a de darmos mais sentido à nossa existência. Como aprender a nos colocar no momento presente, o único tempo que realmente temos, ao invés de nos iludirmos com a expectativa de um amanhã incerto. Aproveitar melhor o tempo pode poupar muitas frustações quando olharmos para trás. Isso não significa viver com displicência, descuidar da saúde, da alimentação ou desorganizar as finanças. Dosar a ansiedade com relação ao futuro significa apenas aprender a vivenciar o hoje mais atentamente e dentro do possível, deixar o amanhã para amanhã.
Dar mais tempo de qualidade a quem amamos. Dedicar nossa energia fazendo aquilo que dá prazer. Criar lembranças saudáveis para ocupar espaço na memória pode ser o nosso bem mais precioso. Desenvolver esse equilíbrio requer consciência e maturidade; confesso que vivo num esforço diário para colocar em prática o que estou escrevendo.
A vida é efêmera e dela nada se leva além do amor que damos e recebemos, do bem que praticamos e das boas lembranças que eternizamos em nós e as que deixamos nas outras pessoas. Talvez seja esta a grande lição da morte, embora a vida ainda tenha muito a aprender com ela. Como diria o filósofo Michel de Montaigne (1533-1592), “aquele que ensinar o homem a morrer, ensinar-lhe-á a viver.”
Como bom aprendiz, que lições a morte tem para te ensinar?
2 Comentários
Como sempre , teus textos tocam lá bem no fundo do nosso ser. Conforme a maturidade vai chegando essas reflexão sobre nossa finitude vai ficando mais aparente e constante e precisamos sim pensar nisso com mais seriedade para valorizarmos nosso presente e
vive-lo plenamente.
Amo tua coluna, sempre nos fazendo pensar no verdadeiro sentido da vida. Parabéns Simone, cada vez mais curto teus ensinamentos.