Por Simone Hillbrecht
“Destino é a vida de um homem, história é a vida de todos nós. Eu quero narrar a história de forma a não perder de vista o destino de nenhum homem.” (Svetlana Aleksiévitch)
“Vozes de Tchernóbil” é uma das mais impactantes obras da escritora e jornalista bielorrussa Svetlana Aleksiévitch.
O livro apresenta um comovente relato sobre o desastre nuclear ocorrido em 26 de abril de 1986 na usina nuclear de Chernobyl, localizado na cidade de Pripyat, Ucrânia, que fica a 16 Km a noroeste da cidade de Chernobyl e 104 km ao norte de Kiev.
Publicado em 1997 – no Brasil, a obra foi lançada pela Companhia das Letras em 2016 – reúne uma coletânea de testemunhos de pessoas diretamente afetadas pelo acidente, incluindo trabalhadores, soldados e cientistas.
O acidente na usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, foi um dos piores desastres nucleares da história, liberando enormes quantidades de radiação e resultando em evacuações massivas, além de longos efeitos ambientais e de saúde.
O evento teve repercussões globais e levantou preocupações sobre a segurança nuclear. No período pós-desastre, houve tentativa de silenciar informações sobre o acidente e suas consequências.
A autora critica a resposta do governo soviético ao desastre, a falta de transparência e a maneira como as autoridades lidaram com a crise. O governo soviético minimizou os efeitos da catástrofe, o que tornou a coleta de testemunhos e relatos das vítimas ainda mais importante.
A publicação do livro ocorreu em um momento de transição política na Rússia e nos países da ex-União Soviética, com o colapso do regime soviético e o surgimento de novas vozes e narrativas. Se destaca como uma obra que desafiou a narrativa oficial.
“Vozes de Tchernóbil” é organizado como uma série de monólogos. Aleksiévitch utiliza a abordagem de reportagem literária, dando voz a indivíduos que viveram a tragédia, permitindo que suas experiências e emoções sejam contadas em primeira pessoa. A obra contribui para a construção de uma memória coletiva em relação ao desastre, permitindo que os sobreviventes compartilhem seus traumas, suas histórias e sentimentos.
Um dos primeiros depoimentos do livro é da viúva de um dos bombeiros que combateu o incêndio inicial na Central Atômica.
“O meu marido começou a mudar; cada dia eu via nele uma pessoa diferente… As queimaduras saíam para fora… Na boca, na língua, nas maçãs do rosto; de início eram pequenas chagas, depois iam crescendo. As mucosas caíam em camadas, como películas brancas. A cor do rosto, a cor do corpo… Azulada… Avermelhada… Cinza-escuro… E, no entanto, tudo nele era tão meu, tão querido! É impossível contar! Impossível escrever! E mesmo sobreviver… O que salvava era que tudo acontecia de maneira instantânea, de forma que não dava tempo de pensar, não dava tempo de chorar. (…) Eu o amava! Eu ainda não sabia como o amava! Tínhamos nos casado havia tão pouco tempo… Ainda não tínhamos tido tempo de nos saciar um do outro… Andávamos na rua, ele me tomava nos braços e me girava. E me beijava, beijava. As pessoas passavam por nós e sorriam. (…) O processo clínico de uma doença aguda do tipo radiativo dura catorze dias. No 14º dia, o doente morre. (…) Muitos vão morrendo. Morrem de repente. Caminhando. Estão andando e caem mortos. Adormecem e não acordam mais. Está levando flores para uma enfermeira, e o coração para. Está no ponto de ônibus… Estão morrendo, e ninguém lhes perguntou de verdade sobre o que aconteceu. Sobre o que sofremos, o que vimos. As pessoas não querem ouvir falar da morte. Dos horrores… (…) Mas eu falei do amor… De como eu amei.” Liudmila Ignátienko, esposa do bombeiro falecido Vassíli Ignátienko.
O desastre de Chernobyl não foi apenas um evento local; suas consequências foram sentidas globalmente, levando às discussões sobre segurança nuclear, políticas ambientais e a responsabilidade das autoridades. O livro de Aleksiévitch se torna parte desse diálogo mais amplo.
“Vozes de Tchernóbil” é um testemunho não apenas do desastre em si, mas das complexas interações entre a memória, a política e a experiência humana em um período de grande mudança histórica.

Svetlana Aleksiévitch venceu o Prêmio Nobel de Literatura em 2015. A autora foi reconhecida “pela sua escrita polifônica, monumento ao sofrimento e à coragem na nossa época”.
No discurso de aceitação do Prêmio Nobel, Aleksiévitch lembrou-se de sua infância:
“O nosso mundo pós-guerra era um mundo de mulheres. Eu me recordo, sobretudo, de que as mulheres falavam não da morte, mas do amor. Contavam sobre o momento em que se despediram pela última vez daqueles que amavam, sobre como os esperaram e ainda os esperavam. Já haviam se passado anos, mas elas continuavam esperando: “Que voltem sem braços, sem pernas, eu o carrego nos meus braços”. Sem braços, sem pernas… Creio que desde a infância que já sabia o que é o amor.”
Vozes de Tchernóbil é frequentemente destacado como uma de suas obras mais importantes e influentes, que contribuiu significativamente para o reconhecimento de seu trabalho.
Título : Vozes de Tchernóbil
Autora : Svetlana Aleksiévitch
Editora : Companhia das Letras; 1ª edição (19 abril 2016)
Idioma : Português
Capa comum : 384 páginas
Tradução (direto do russo) : Sônia Branco
Nº 9 em Rússia História
Nº 9 em Ex-Repúblicas Soviéticas e Sibéria História
1 comentário
É muito tocante! Amor não é qualquer coisa. As mulheres amam o amor. O sublime. A capacidade que têm de amar é algo que não dá para descrever com palavras. Só sentir.