“Perdão é acima de tudo uma escolha pessoal, uma decisão do coração contra o instinto natural de combater o mal com o mal.” – Papa João Paulo II
Quando alguém nos faz mal ou nos provoca algum dano, devemos nos vingar ou perdoá-los? A história está cheia de exemplos bem e mal sucedidos destas reações, mas teoria dos jogos, que diz respeito a comportamento estratégico, pode nos servir de guia para melhores decisões.
O sentimento de raiva e a vontade de se vingar são nossas reações mais imediatas e instintivas que podem ter ajudado seres humanos a sobreviver ao longo de milhares de anos, ao estabelecer limites do que pode ou não ser feito. Por outro lado, aprendemos também que ter uma postura mais racional nos ajuda a facilitar cooperação e viver melhor em sociedade. Esta postura mais racional leva em consideração as virtudes do perdão.
Vingança, em muitos contextos, faz parte do jogo. Um chefe da Máfia ou líder de gangue criminosa não pode tolerar traição, sob pena de acabar sendo destituído ou até mesmo morto nas disputas internas de poder. A execução do delator do PCC num aeroporto de São Paulo, recentemente, revela mais uma vez esta parte da estrutura de governança do crime organizado. Traição e delação rimam com execução. Neste mercado, não há margem segura para bons sentimentos.
Vingança por mal feitos pode ter consequências não intencionais. No final da 1ª. Guerra Mundial, os vencedores, França e Inglaterra, entenderam que a Alemanha havia começado a guerra e deveria ser pesadamente penalizada com pagamento de reparações de guerra, perda de território e grande humilhação nacional com as consequências econômicas como inflação e desemprego que seguiram estas medidas. O que veio depois, foi de certa forma prevista pelo mais famoso economista inglês da primeira metade do século passado, John Maynard Keynes que, em seu importante artigo “As Consequências Econômicas da Paz”, ficou inconformado com a solução adotada e pediu por termos mais generosos para alcançar uma paz duradoura. A Alemanha, rancorosa com a humilhação imposta pelos aliados, buscou também sua vingança, o que levou à 2ª. Guerra Mundial.
Imagine o que poderia ter acontecido caso a recomendação de Keynes tivesse sido adotada. Hitler não teria ascendido ao poder e a 2ª. Guerra e o Holocausto poderiam ter sido evitados. Note agora a diferença no tratamento dos aliados no final desta guerra: em vez de pagar reparações de guerra, a Alemanha Ocidental foi beneficiária do famoso Plano Marshall de reconstrução e desde então é uma vibrante democracia liberal e um dos países mais ricos do mundo. Os aliados não mais buscaram vingança, o que contribuiu para a paz e para a consolidação de um novo aliado aos valores de liberdade do Ocidente.
Outro caso interessante é o do início do fim da Dinastia Qin, da China, por volta de 209 a.C. Chen Sheng e Wu Guang eram militares conscritos encarregados de liderar um grupo de 900 homens a um posto militar. Devido às fortes chuvas que atrasaram sua viagem, eles perceberam que enfrentariam a pena de morte sob as rígidas leis Qin por chegarem atrasados. A lei previa a punição sem possibilidade de perdão. Em vez de aceitarem o seu destino, decidiram rebelar-se, declarando as suas intenções de derrubar o regime opressivo de Qin. Eles reuniram camponeses e outros descontentes que sofreram sob a opressão das leis Qin, acumulando rapidamente uma força substancial. Esta revolta provocou agitação generalizada, inspirando líderes subsequentes como Xiang Yu e Liu Bang, cujos esforços levaram à queda da Dinastia Qin em 206 a.C. e à ascensão da Dinastia Han. A moral deste caso é que, se você não for capaz de perdoar, como em regimes opressivos, poderá estar abrindo as portas do inferno.
A ideia do perdão tem sido central em diversas filosofias e religiões. O perdão é uma virtude universal profundamente enraizada nos ensinamentos do Hinduísmo, do Budismo, do Judaísmo e do Cristianismo. Apesar das suas filosofias diferentes, estas tradições espirituais convergem na ideia de que o perdão é essencial para a paz interior, relacionamentos harmoniosos e crescimento espiritual. Entretanto, ser excessivamente generoso com perdão pode gerar a percepção de fraqueza e levar a abusos cometidos pelos outros.
Assim sendo, buscar vingança às vezes é necessário, mas pode levar à escalada de retaliações, mais vinganças recíprocas e violência generalizada. Perdoar é visto como uma virtude, mas pode levar a abusos e piorar a vida de quem perdoa. Então como podemos saber quando retaliar (buscar vingança) e quando cooperar (saber perdoar)? Para nossa sorte, teoria dos jogos vem em nosso auxílio.
Em seu famoso livro “A Evolução da Cooperação”, Robert Axelrod mostra que uma estratégia simples, a do tit-for-tat (olho por olho) pode levar à cooperação sustentável em um mundo dominado por pessoas, empresas ou governos caracterizados por egoísmo racional, ou seja, agentes que são auto interessados e que desejam melhorar sua posição na vida ou na sociedade. Esta estratégia consiste numa combinação de cooperação com perdão.
A estratégia tit-for-tat de Axelrod é uma abordagem simples, mas muito eficiente para resolver o Dilema do Prisioneiro – aquele problema da teoria dos jogos onde dois jogadores precisam escolher entre cooperar ou trapacear, sem saber o que o outro vai fazer. No tit-for-tat, o jogador começa cooperando e depois imita o último movimento do adversário. Se o outro coopera, eles continuam cooperando. Se o outro trapaceia, eles retaliam, mas perdoam rapidamente se a cooperação voltar. A estratégia mostra que esta combinação de cooperação e perdão leva aos melhores resultados a longo prazo, destacando a importância da confiança e da reciprocidade nos relacionamentos e na sociedade.
O Dilema do Prisioneiro não é só um problema teórico, pois seus princípios já foram usados em situações de alto risco, como a Guerra Fria. Entender esse jogo pode gerar cooperação de forma surpreendente entre antigos rivais como os EUA e a União Soviética, e até mesmo em sociedades politicamente polarizadas. Central aqui é o seguinte paradoxo: o interesse próprio e racional pode levar as nações a resultados ruins, mas a cooperação estratégica pode evitar desastres. Tit-for-tat, que é uma estratégia com regra simples de cooperação, retaliação e perdão, e reflete bem a dinâmica da política e das relações internacionais no mundo real. Ela mostra ainda que gentileza, junto com firmeza, pode levar ao sucesso a longo prazo e é um bom lembrete de que ser legal e perdoar não é o mesmo que ser fraco.
Claro que o mundo é bem mais complicado do que uma simples regra de comportamento, mas várias extensões do jogo do dilema do prisioneiro capturam características essenciais da nossa vida. A regra tit-for-tat diz que você deve começar uma relação cooperando e retaliar quando perceber uma trapaça. Mas e quando a outra parte não trapaceou de verdade, mas cometeu apenas um deslize, ou não conseguiu se comunicar bem? Agora, quando você retalia, ela pode acreditar que quem está trapaceando é você e então o resultado é uma sequência de retaliações e vinganças mútuas.
Neste caso, a solução é mais sutil e na primeira percepção de trapaça alheia (que pode ser apenas um deslize) o perdão pode evitar os danos de retaliações mútuas e degradação das relações. Esta solução é melhor e altamente desejável no mundo insano das redes sociais, onde um post mal escrito, um comentário dúbio ou mesmo uma palavra de baixo calão geram reação desproporcional nas redes, na imprensa e até mesmo no judiciário, podendo levar à prisão e perda de outros direitos por conta de algo que não deveria ter este tipo de repercussão. Voltar à sanidade e buscar ações racionais que aumentem as chances de cooperação e perdão, em vez de produzir uma escalada de retaliações, é coisa que devemos nos preocupar em como alcançar.
A vida em sociedade não é um jogo de soma zero, onde o que um grupo (ou pessoa) ganha, a outra parte perde. A vida civilizada em sociedade depende da nossa capacidade de pensar racionalmente e construir as bases necessárias para sustentar cooperação com outras pessoas, empresas e organizações. Aprender a perdoar, mesmo que por considerações estratégicas, passa a ser elemento fundamental para nosso sucesso pessoal, profissional e até mesmo como nação.