O Brasil é um país com grande desigualdade de renda e com enorme dificuldade de prosperar. Considere os dados de PIB per capita de 1980 a 2025[1]. Em 1980, o Brasil tinha 35,3% do PIB americano e em 2025 esta proporção caiu para 26,1%. Não apenas somos um país mais pobre, mas a distância para um dos países mais ricos do planeta aumentou nas últimos décadas.
O mesmo fenômeno ocorreu na região da América Latina e Caribe (AL&C), que teve queda semelhante (37,8% em 1980 e 25,5% 2025). Se a Terra fosse plana, a AL&C estaria escorregando pela borda para fora do planeta e nós juntos. Entretanto, nem tudo é má notícia para a região, nossos vizinhos Chile e Uruguai estão se aproximando do padrão de vida dos EUA, pois suas rendas per capita eram 3,5% e 4,8% em 1980 e 39,5% e 41,6%, respectivamente.
Por que o Brasil não consegue enriquecer e promover inclusão social? A resposta correta pode estar no livro O Corredor Estreito, de D. Acemoglu e J. Robinson.
A relação entre Estado, sociedade e liberdade é um dos temas centrais do debate contemporâneo em economia política e o livro é fundamental para sua compreensão, pois ajuda a compreender porque a preservação das liberdades individuais é tão difícil e, ao mesmo tempo, essencial para a prosperidade e a inclusão social.
Os autores partem de uma questão clássica: como assegurar liberdade individual diante dos dois extremos igualmente indesejáveis do Estado fraco e impotente e do estado forte e oprossor? Para responder, apresentam a metáfora do “corredor estreito” – um espaço no qual o Estado é suficientemente forte para garantir ordem, prover serviços públicos e estimular o desenvolvimento, mas suficientemente limitado pela sociedade civil para não degenerar em opressão.
Os três tipos de Leviatã
O livro organiza a discussão em torno de três arquétipos institucionais:
- Leviatã Ausente – quando o Estado é fraco ou inexistente, as sociedades se organizam por normas internas e tradições. Essas regras podem conter a violência, mas tendem a ser restritivas, excludentes e a inibir inovação. O caso do sistema de castas na Índia é exemplo emblemático.
- Leviatã Despótico – quando o Estado é forte, mas não controlado. Nessa situação, ele impõe ordem e pode até gerar crescimento, mas apenas em benefício de uma elite, sufocando liberdades e perpetuando desigualdades. Experiências de regimes autoritários na Ásia e no Oriente Médio ilustram esse padrão.
- Leviatã Acorrentado – o ideal defendido por Acemoglu e Robinson. Trata-se de um Estado forte o suficiente para prover ordem e bens públicos, mas permanentemente vigiado e limitado pela sociedade civil. Essa tensão constante entre Estado e sociedade exige vigilância e mobilização contínuas, mas cria as condições para prosperidade e inclusão.
A mensagem dos autores é clara: prosperidade e liberdade individual caminham juntas quando o poder do Estado é limitado pela capacidade de reação e controle da sociedade.
O valor da liberdade para prosperidade e inclusão
O ponto nevrálgico do corredor estreito é que liberdade individual não é apenas um valor moral, mas também uma condição prática e necessária para o desenvolvimento econômico sustentável. Desenvolvimento econômico sustentável depende de inovação, inovação depende de criatividade e a criatividade exige liberdade. Assim sendo, sociedades abertas que respeitam os direitos individuais e a autonomia das pessoas são aquelas em que surgem oportunidades de prosperidade mais amplamente distribuídas.
O problema é que liberdade individual não é algo estático. Ela precisa ser constantemente defendida, pois o Estado, por sua natureza, busca sempre expandir seus tentáculos de controle, enquanto a sociedade precisa se organizar para limitá-lo. Ocorre que este equilíbrio é frágil e pode se romper em direção ao despotismo quando o Estado se sobrepõe à sociedade ou à fragmentação social quando a sociedade não consegue impor os limites necessários.
Críticas e desafios teóricos
Claro que o corredor estreito é uma teoria e, portanto, uma simplificação da realidade. Útil, no entanto, para entender melhor os problemas da organização da vida econômica, social e política das sociedades. Um dos problemas desta simplificação é que, nem “Estado” e nem “sociedade” são homogêneos: ambos são compostos por múltiplos grupos, elites e interesses em conflito. Ignorar essas divisões pode impedir a identificação das forças que conduzem uma sociedade para dentro ou para fora do corredor.
Adicionalmente, o livro desconsidera alternativas de governança social além do Estado, como por exemplo formas de autogoverno ou anarquia organizada, que em alguns contextos podem gerar arranjos funcionais eficazes de liberdade. Estas considerações reforçam a ideia de que o corredor estreito não deve ser visto como uma fórmula única, mas como um quadro analítico para refletir sobre os desafios de cada sociedade.
Lições para o Brasil
O Brasil enfrenta, há décadas, dificuldades em combinar crescimento econômico, inclusão social e fortalecimento institucional. Estamos presos entre situações de forte presença estatal, muitas vezes ineficiente ou capturada por interesses privados, e situações em que a sociedade não consegue se organizar para preencher as lacunas de um estado ausente.
Em outras palavras, o quadro brasileiro mostra traços de diferentes Leviatãs: em algumas áreas, um Leviatã Despótico, com excesso de burocracia e regulação que restringem a iniciativa privada; em outras, um Leviatã Ausente, incapaz de prover serviços básicos de qualidade, deixando espaço para normas informais e indesejáveis de comportamento, como o crime organizado.
O que o Brasil precisaria fazer para entrar e permanecer no corredor estreito? Algumas recomendações saltam à vista. Em primeiro lugar, fortalecer o Estado para a provisão de bens públicos essenciais, como segurança pública, justiça eficiente, educação e infraestrutura. Sem essas bases, a liberdade formal não gera prosperidade e inclusão. Em segundo lugar, ampliar e fortalecer os mecanismos de controle da sociedade sobre o Estado, aumentando transparência, fortalecendo liberdade de expressão e organismos de fiscalização. Em terceiro lugar, buscar reduzir desigualdades sociais e econômicas, pois sociedades profundamente fragmentadas têm dificuldade em se unir para controlar o poder do Estado. Finalmente, e não menos importante, é fundamental criar incentivos institucionais que limitem a captura do Estado por elites, combatendo o clientelismo, o rent-seeking e a corrupção sistêmica.
A preservação das liberdades individuais não é apenas uma questão filosófica, mas o motor que impulsiona prosperidade e inclusão social. O desafio do Brasil é construir um Estado forte o suficiente para garantir ordem e direitos individuais, mas permanentemente limitado pela sociedade civil. Permanecer no corredor estreito significa aceitar que não há vitórias finais, pois a liberdade exige vigilância constante.

2 Comentários
Como obter e fomentar a participação popular na política é uma questão importante. Sem participação, não teria o equilíbrio entre forças de interesses diversos. Os interesses de grupos organizados sempre está muito bem representado; já os difusos, quem representa?
No médio e longo prazos, diria que poderíamos adquirir maior responsabilidade e a consciência da necessidade de fazermos melhores escolhas de nossos representantes, enquanto que no curto prazo, penso que basta exigirmos o cumprimento das leis. Creio assim teríamos alguma chance de percorrermos o corredor estreito da liberdade e prosperidade.