Por Si Hillbrecht
Várias obras atravessaram meu universo literário em 2024. Selecionei alguns títulos, entre sugestões do clube de leitura, seminário de literatura e escolhas pessoais para compartilhar com você, seguidora da Dica Cultural. De narrativas que vão desde os clássicos densos da Rússia no século XIX até os dilemas contemporâneos, passei por vários cenários diferentes.
Registro aqui as principais viagens literárias do ano de 2024, que provocaram, transformaram e fizeram pensar. Minha bagagem íntima de leituras que espero possam também inspirar você e outros amantes da literatura.
- A Rebelião das Massas, José Ortega y Gasset
A obra vai muito além de uma análise política tradicional. Trata-se de um trabalho filosófico e sociológico que examina profundamente a estrutura social e política das sociedades modernas. Publicado originalmente em 1930, o livro oferece uma análise crítica da sociedade de massas emergente, caracterizando-a como um fenômeno político e cultural. Gasset argumenta que a massa, representada pelo homem médio, está tomando o controle das instituições sociais sem a devida qualificação ou responsabilidade. O autor não apenas descreve, mas analisa criticamente como as massas podem representar uma ameaça à cultura, à liberdade e à democracia. Ele argumenta que o “homem-massa” tende a ser conformista, acredita que tem direitos, mas não reconhece responsabilidades. Todo mundo deveria ler.
- Vista Chinesa, Tatiana Salem Levy
Ficção inspirada em um caso real: o estupro de uma jovem no Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Com sensibilidade e realismo, a autora explora a dor, o trauma e os dilemas da protagonista no esforço de tocar a vida adiante e superar o trauma. O livro oferece uma reflexão tanto sobre as consequências para a vítima quanto sobre a sociedade que permite tais violências. Leitura visceral.
- The last train to Key West, Chanel Cleeton
Romance de ficção histórica ambientado durante o Grande Furacão do Dia do Trabalho de 1935, um dos furacões mais mortais da história dos EUA. A trama entrelaça as vidas de três mulheres: Helen Berner, nativa de Key West, presa em um casamento abusivo, que anseia por liberdade e segurança para si e para seu filho ainda não nascido; Mirta Perez, mulher cubana que planeja um casamento arranjado com um americano rico e perigoso, cujas intenções podem colocar em risco seu futuro; e Elizabeth Preston, nova-iorquina rica que tenta salvar sua família enquanto embarca em uma perigosa jornada na Flórida. Adorei!
- O Genocídio Velado, Tidiane N’Diaye
Sobre o tráfico de escravos árabe-muçulmanos que devastou a África desde os primeiros dias da expansão do Islã no séculos VII da era cristã e durou mais de 1.300 anos. Ele aborda o genocídio de milhões de africanos, as atrocidades cometidas e a exploração brutal das tribos. A obra traz uma análise essencial sobre as dimensões históricas dessa escravidão negligenciada nas narrativas ocidentais contemporâneas.
5. Os demônios, Fiódor Dostoiévski
A obra é assustadoramente atual. Sem dúvida, a maior crítica social e política feita por Dostoiévski. Publicado em 1871, Os Demônios reflete a reação de Dostoiévski ao assassinato de um estudante por motivos políticos e seu rompimento com o movimento revolucionário, profetizando o fanatismo e a violência dos regimes fascistas do século XX. Em Os Demônios, o autor antecipa táticas de provocar a insurreição popular por meio da implantação do caos, que dialogam diretamente com nossos tempos de meias e pós verdades. O livro é denso e com uma grande gama de personagens, no qual o autor explora com profundidade as mazelas humanas, como de costume. Ainda que um clássico, a tradução de Nina e Filipe Guerra tornaram a leitura muito mais fluida. Atemporal.
- A guerra do retorno, Adi Schwartz e Einat Wilf
Examina o impacto do “direito de retorno”, clamado pelos refugiados palestinos no conflito com Israel. Os autores argumentam que essa questão é central para a continuidade do conflito e que a abordagem das Nações Unidas por meio da UNRWA perpetua o problema ao invés de resolvê-lo. O livro aborda as origens desse direito, os fatores políticos e ideológicos que o sustentam, e propõe soluções políticas para substituí-lo por uma abordagem que promova a paz duradoura entre israelenses e palestinos. Verdadeira aula!
- Máquinas como eu, Ian McExan
A trama aborda os limites entre humanidade e tecnologia, o conceito de livre-arbítrio e possíveis consequências. Ao incluir Miranda, parceira de Charlie, no processo de “programação” da personalidade de Adam, o trio se vê enredado em um emaranhado de questões morais, amorosas e existenciais. McEwan combina sua prosa com uma visão bastante provocadora sobre o impacto da inteligência artificial na vida humana. O autor questiona o que significa ser humano em um mundo onde máquinas podem supostamente “sentir, pensar e amar”. O livro desafia o leitor a refletir sobre os avanços tecnológicos e seu impacto na sociedade. Valeu a releitura!
- A marca humana, Philip Roth
“Em 1998, uma histeria puritana se apoderou dos Estados Unidos, na esteira do escândalo sexual que envolveu o presidente da República e uma estagiária na Casa Branca. No mesmo ano o professor universitário Coleman Silk vê sua vida destruída por acusações de racismo e abuso sexual.” A trama já é fascinante por si só, mas o que eleva o livro a um nível ainda superior é a profundidade com que Roth construiu cada personagem. Silk, Zuckerman, Faunia Farley, Les Farley e Delphine Roux são analisados em detalhes, revelando camadas surpreendentes de suas personalidades, como apenas um gênio da literatura seria capaz de criar. Philip Roth dispensa comentários.
- Vamos comprar um poeta, Afonso Cruz
Para leitores que buscam uma obra que inspire e questione as prioridades da sociedade contemporânea, Vamos Comprar um Poeta é um verdadeiro convite. A narrativa é leve, mas profundamente simbólica. Explora o papel da poesia, da arte e da imaginação na vida cotidiana. Leitura rápida, acessível e que provoca reflexões sobre a importância de enxergar além da praticidade e redescobrir a beleza do inútil e do lúdico em nossas vidas. Maravilhoso.
- Bitter Crop: The heartache and triumph of Billie Holiday’s last year, Paul Alexander
Paul Alexander oferece um retrato não convencional da cantora de jazz mais eminente do século 20. O autor se concentra no último ano de sua vida — com flashbacks relevantes para o contexto — para evocar e examinar a magnificência persistente da arte de Holiday quando ela deveria ter entrado em declinado na esteira de seu abuso de drogas, relacionamentos com homens violentos e problemas com a lei.
- A geração ansiosa, Jonathan Haidt
O autor examina tendências da saúde mental em adolescentes, o que aconteceu com os jovens no início dos anos 2010 que desencadeou o aumento da ansiedade e depressão. Por volta de 2012, esse aumento estava aparecendo também no comportamento, incluindo automutilação e suicídio. Geração ansiosa oferece uma explicação contando duas histórias: uma sobre o declínio da infância baseada em brincadeiras e a outra sobre a ascensão da infância baseada em telefone. Poucos entendiam o que estava acontecendo nos mundos virtuais das crianças ou tinham o conhecimento necessário para protegê-las das empresas de tecnologia, que haviam projetado seus produtos para serem viciantes. Por essa razão, as crianças acabaram sendo superprotegidas no mundo real e no mundo virtual. O livro explica as principais causas da epidemia internacional de doenças mentais que atingiu adolescentes no início da década de 2010 e oferece um caminho a seguir para pais, professores, amigos e parentes que queiram ajudar a melhorar a saúde mental de crianças e adolescentes.
Ainda em 2024:
Sobrevidas, Abdulrazak Gurnah
Um prefácio para Olívia Guerra, Liana Ferraz
Podres de mimados, Theodore Dalrymple
Eu, Tituba, bruxa negra de Salem, Maryse Condé
Xamã, Noah Gordon
Society of lies, Lauren Ling Brown
História da violência, Édouard Louis
Sobre os ossos dos mortos, Olga Tokarczuk
O diamante de Jerusalém, Noah Gordon
Nem todas as baleias voam, Afonso Cruz
A amiga genial, Elena Ferrante
Humanos exemplares, Juliana Leite
Olhai os lírios do campo, Érico Veríssimo
Todas as suas imperfeições, Colleen Hoover
A morte é um dia que vale a pena viver, Ana Claudia Q. Arantes
A paciente silenciosa, Alex Michaelides