Por Simone Hillbrecht
Orgulho e Preconceito, de Jane Austen, é um dos meus livros favoritos — poucos integram essa seleta lista. Publicado pela primeira vez em 1813, tornou-se um dos maiores marcos da literatura inglesa, celebrado por sua crítica social afiada, personagens marcantes e estilo narrativo acessível. Situado no final do século XVIII e início do XIX, o romance retrata uma sociedade rigidamente hierárquica, onde as questões de classe, casamento e propriedade moldavam a vida das pessoas, especialmente das mulheres.
Na Inglaterra rural da época, a posição social e a segurança econômica das mulheres dependiam quase exclusivamente do casamento. As leis de primogenitura limitavam a herança aos herdeiros masculinos, deixando muitas famílias, como a dos Bennet, em uma situação precária. Essa realidade é central para a trama, pois a Sra. Bennet busca desesperadamente casar suas cinco filhas para garantir um futuro estável. “A única finalidade da vida para uma mulher respeitável era casar-se, e casar-se bem. Para isso, a beleza, a juventude e as boas maneiras eram essenciais.” (Cap. 1)
A narrativa segue Elizabeth Bennet, a espirituosa e inteligente segunda filha, e sua relação com o reservado e (aparentemente) arrogante Sr. Darcy. Ao longo do romance, Austen desconstrói as primeiras impressões de seus personagens, revelando os perigos do orgulho excessivo e dos preconceitos apressados. “O orgulho está relacionado mais à nossa opinião de nós mesmos; a vaidade, ao que desejamos que os outros pensem de nós.” (Mary Bennet)
Darcy, a princípio visto como orgulhoso, revela uma personalidade íntegra ainda que vulnerável, enquanto Elizabeth aprende a desafiar suas próprias convicções e a reconhecer os preconceitos que moldaram sua percepção inicial com relação a ele. “Eu poderia facilmente perdoar seu orgulho, se ele não tivesse mortificado o meu.” (Elizabeth Bennet)
Sua transformação se torna evidente não apenas pela mudança de atitude em relação a Elizabeth, mas também por ações concretas, como sua intervenção para salvar a reputação de Lydia Bennet e, consequentemente, de toda a família. Tais gestos não apenas refletem a nobreza de caráter, mas também sua disposição de agir por amor, superando o orgulho que antes o definia. Darcy emerge, assim, como uma figura de moralidade e autotransformação que enriquecem a trama e o tornam um dos mais memoráveis personagens da literatura.
Há vários personagens secundários interessantes na história. A Sra. Bennet é uma caricatura da ansiedade matrimonial da época; o Sr. Collins, um clérigo obsequioso, representa a mediocridade sustentada pelo sistema de patronato; Charlotte Lucas, amiga de Elizabeth, faz escolhas pragmáticas que refletem a falta de opções das mulheres. “A felicidade no casamento é inteiramente uma questão de sorte.” (Charlotte Lucas)
Jane simboliza o ideal de virtude feminina, mas sua hesitação em demonstrar abertamente seus sentimentos quase compromete seu relacionamento com o Sr. Bingley, jovem afável e influenciado por Darcy. Por outro lado, George Wickham, com uma fachada encantadora, mas mal-intencionado, é exemplo do perigo das aparências enganosas, servindo como contraponto ao caráter genuíno de Darcy. Cada figura reflete as pressões e expectativas sociais da época, ao mesmo tempo em que contribui para os dilemas e a crítica mais ampla da obra.
O motivo pelo qual Orgulho e Preconceito continua a ser um clássico atemporal reside na universalidade de suas temáticas e na habilidade da autora em equilibrar humor, crítica social e romance. A busca por autenticidade, a complexidade das relações humanas e os desafios impostos pelas normas sociais permanecem relevantes, transcendendo seu contexto histórico. Além disso, a prosa de Austen, repleta de ironia e observações perspicazes, encanta leitores de todas as gerações até os dias atuais. “Deixe-me aconselhá-lo, senhor, a considerar que as coisas nem sempre são como parecem.” (Elizabeth Bennet)
Orgulho e Preconceito não é apenas uma história de amor, mas um retrato profundamente humano e crítico de uma sociedade que, apesar de distante no tempo, ainda dialoga com questões contemporâneas de classe, gênero e auto aceitação, o que assegura seu lugar como um dos grandes clássicos da literatura. “De fato, poucas pessoas têm coração o suficiente para serem realmente apaixonadas sem serem incentivadas.” (Charlotte Lucas)