A agência 1,2,3milhas suspendeu a emissão de passagens e deixou milhares de clientes, não se sabe ao certo quantos, no prejuízo. Os motivos alegados pela empresa foram “razões mercadológicas” (transferir responsabilidades é o jeito mais fácil de se livrar delas) e a alta demanda de consumidores que tinham comprado passagens e pretenderam resgatá-la no mesmo período.
Ao entender o funcionamento da 1,2,3milhas, você verá que o esquema não tinha condições de se sustentar por muito tempo.
As empresas aéreas têm programas de milhagem, em que o passageiro acumula, por voo realizado, milhas que podem ser trocadas por novas passagens ou por descontos em novas passagens. O programa permite que passageiros voem mais e o incentivo às pessoas para viajar também é benéfico para as companhias aéreas.
A 1,2,3milhas comprava as milhas diretamente dos clientes, usava as milhas para comprar passagens aéreas por preço mais barato das companhias aéreas e revendia as passagens para os clientes. Evidentemente, o preço da revenda da passagem era maior que o preço pago pelas milhas, para que a empresa tivesse lucro.
A 1,2,3milhas vendia as passagens sem data marcada; o cliente somente recebia o bilhete 10 dias antes da data pretendida para a viagem. Assim, a empresa esperava ter tempo para adquirir milhas e para comprar os bilhetes. Por sua vez, o cliente confiava que teria a passagem a receber no futuro quando desejasse.
Fica claro que se muitos passageiros solicitassem o resgate da passagem ao mesmo tempo, a 1,2,3milhas não teria passagens em número suficiente para atender a todos. Também não teria como adquirir passagens se não comprasse milhas de novos clientes.
Este sistema tem duas características comuns das pirâmides financeiras: 1) o esquema oferece ganhos fáceis, ao vender passagens com menor preço que aquele praticado no mercado; e 2) o esquema depende da constante entrada de novas pessoas para vender as milhas para que a 1,2,3milhas tivesse condições de adquirir passagens aéreas pela milhagem.

A falta de clientes interessados em vender as milhas impossibilitou a 1,2,3milhas de adquirir novos bilhetes e deixou milhares de consumidores sem as passagens. O esquema dependia do recrutamento de novos clientes para continuar funcionando.
O pessoal do nível superior da pirâmide financeira e os primeiros clientes recebem os produtos, o que atrai novos clientes. Só que, num momento qualquer, as pirâmides financeiras desmontam, causando prejuízo a quem está na base da pirâmide, que financiou os de cima e não receberá o produto adquirido.
Sem condições de fornecer as passagens, a 1,2,3milhas ofereceu reembolso em forma de vouchers de produtos disponíveis em seu site. Só que os consumidores haviam adquirido passagem e tinham interesse em receber os bilhetes adquiridos para o dia pretendido. Naturalmente quem viaja faz planos, faz reservas de hotel, aluguel de carros e outras providências.
Em maio, o Hurb, antigo Hotel urbano, foi proibido de vender pacotes de viagens com datas flexíveis. O Hurb funcionava em condições semelhantes às da 1,2,3milhas.
Ainda não existe regulamentação no Brasil para a compra e venda de milhas. Cabe a você, consumidor, desconfiar de milagres para não ficar no prejuízo; desconfie sempre de grandes vantagens em desacordo com a realidade do mercado.
A sabedoria popular ensina que o pobre deve desconfiar quando a esmola é muita.