Por Juliana Ledur Stucky
“Nem todas as baleias voam nos presenteia com uma literatura jovem, criativa e pouco convencional. Um livro que trata especificamente sobre a arte e de como homens e mulheres tiram proveito dela.”
A literatura portuguesa tem me encantado cada vez mais. Autores como Miguel Sousa Tavares, José Saramago, a poetisa (minha favorita) Sophia de Mello Breyner Andresen – mãe do antes citado Miguel, José Luis Peixoto, para citar apenas alguns, trazem escritos fortes, sofisticados e, acima de tudo, palavras que se conectam entre si num ritmo poético e sensorial. Não é diferente a experiência com Afonso Cruz. Autor de livros geniais como Vamos comprar um poeta e Jesus Cristo bebia cerveja, este escritor nascido em 1973 na cidade portuguesa de Figueira da Foz, brilhou os olhos de boa parte das leitoras do grupo de leitura do qual faço parte quando nos aventuramos pelo Nem todas as baleias voam, publicado aqui no Brasil pela editora Dublinense em 2023.
É verdade que as primeiras páginas trazem uma sensação de estarmos perdidos, de não sabermos por onde o autor quer nos levar. Ta aí uma explicação possível para que o livro talvez não agrade parte dos leitores mais ansiosos. São fatos reais? São personagens que existem? Mas a medida que avançamos, especialmente ao cruzarmos o marco da página 100, o livro ganha uma nova roupagem: os personagens vão sendo compreendidos e a história vai se tornando mais palpável.
Afonso Cruz escreve de uma maneira muito bonita: trabalha as palavras de uma forma estética, profunda, alinha sensações e valoriza o idioma, criando uma dança de palavras que, mais que contarem uma história, dão um toque poético em cada parágrafo “É que também vamos criando afeto pela dor, ela diz-no que estamos vivos (…)”
Há personagens interessantes e nada óbvios: Tristan, o menino cuja mãe desapareceu, consegue enxergar sentimentos – a morte, incorporada numa mulher velha, está sempre ao seu redor, chegando a dormir em seus pés como um pequeno animal de estimação. Seu pai, o jazzista Erik Gould, que está sem sua companheira Natasha – a mulher desaparecida. E como nos anuncia o plot inicial do livro, Gould está numa missão da CIA em plena Guerra Fria, divulgando o jazz norte-americano no leste europeu, passando mensagens subliminares de revolta contra os regimes socialistas.
Isaac Dresner, outro personagem importante, curiosamente está no livro A boneca de Kokoschka, também escrito por Cruz.
Nem todas as baleias voam nos presenteia com uma literatura jovem, criativa e pouco convencional. Um livro que trata especificamente sobre a arte e de como homens e mulheres tiram proveito dela.
E como escreve Cruz em dado momento, “A arte é um desvio da norma. Corrompe. Desfaz. A arte é uma doença da expressividade humana.” A verdade é que o autor nos presenteia com uma literatura cheia de personalidade, que nos tira do lugar comum de leitor e nos enche, não de adoecimento, mas da mais pura vontade de seguirmos lendo – e ouvindo um bom jazz.
“Sou Juliana, tenho 43 anos, leitora e interessada não apenas pelo ato delicioso da leitura solitária, mas, também, pela troca que ela nos proporciona, ao dividirmos o que um livro nos mostrou, nos apaixonou ou, quase sempre, nos transformou. Sou uma ex advogada e atualmente psicóloga clínica, com mestrado e doutorado na área da psicologia social. Tenho formação em piano clássico, amo cozinhar, sou apaixonada por cinema e jazz, e, mais recentemente, há quase três meses, me realizando nas nervuras e sensações incríveis da maternidade.”
Juliana Ledur Stucky é membro associada do Clube de Leitura D’Elas.
Detalhes do produto
- Autor: Afonso Cruz
- Editora Dublinense; 1º edição (30 março 2021)
- Capa comum : 288 páginas
- ISBN-10 : 6555530251
- ISBN-13 : 978-6555530254
- Livro de Literatura Europeia