Na rádio Armênia, os ouvintes perguntam: “Qual será o resultado das próximas eleições?” “Ninguém sabe. Ontem à noite, alguém roubou os resultados exatos das próximas eleições do Comitê Central da URSS.”
Na rádio Armênia, um ouvinte pergunta: “Qual é a diferença entre as Constituições dos EUA e da URSS? Ambas garantem liberdade de expressão.” “Sim, mas a americana também garante liberdade depois da expressão”
“Camarada Brezhnev, é verdade que você coleciona piadas políticas? Quantas são?” “O suficiente para lotar três campos de prisioneiros”
Piadas soviéticas
Humor sub judice: por que precisamos rir e defender quem nos faz rir
Poucos anos atrás, as pessoas riam mais e eram mais divertidas. Tive até amigos que ficavam sérios depois da piada e só começavam a gargalhar quando o interlocutor, um tanto quanto sem graça, tentava explicá-la. Eles tornavam a coisa mais engraçada fazendo parte da piada. Hoje em dia, a risada está escassa e a sensação que temos é que as piadas são majoritariamente consideradas ofensivas a algum grupo. Para evitar problemas, então, é melhor não contá-las.
O problema é que quando o ambiente social se torna tenso, como nos dias atuais, o riso vira artigo de luxo e, paradoxalmente, é de riso que precisamos para aliviar tensões e evitar que o azedume se transforme em fanatismo e intolerância.
O escritor israelense Amós Oz, que cresceu em meio aos conflitos em Jerusalém, escreveu há vinte anos uma frase que continua atual: “Nunca vi um fanático com senso de humor, nem alguém bem‑humorado virar fanático sem antes perder o riso”. Oz defendia o humor como antídoto contra a “certeza absoluta” que costuma alimentar extremismos políticos ou religiosos. Quando rimos da nossa condição perdemos nossas certezas e conseguimos enxergar que os outros podem ter uma parcela de razão – o bom senso começa a predominar.
Quando a Justiça perde o bom‑humor e o bom senso
Foi exatamente esse bom senso que parece ter faltado, poucas semanas atrás, no TRF-3 (SP). O comediante Léo Lins recebeu pena de oito anos e três meses de prisão por piadas consideradas discriminatórias em um show de 2022, veiculado no YouTube para mais de três milhões de pessoas. A decisão afirma que a liberdade de expressão “não é passe‑livre para o discurso de ódio”. O problema é transformar piadas (por mais de mau gosto que sejam) em crime de quase uma década de pena com multa e indenizações milionárias, o que leva inevitavelmente o caso para a polarização entre a censura e o tal do vale-tudo.
Essa polarização é combustível para os extremismos. Este tipo de punição demasiadamente severa cria mártires involuntários e alimenta a narrativa de perseguição, degradando o espaço público onde divergências poderiam ser negociadas. Anos atrás, a solução desejável era a de comentar as piadas de mau gosto e ressaltar suas impropriedades. Discutir e questionar publicamente ideias ruins sempre foi um bom mecanismo para depurar nossas ideias. Agora, a consequência não intencional deste tipo de censura é o recrudescimento da intolerância de grupos distintos, tal qual descreve Oz ao falar de “duas vítimas que se enxergam mutuamente como algozes”.
O custo de silenciar o humor
Do ponto de vista econômico, a pena sobre o humorista envia um sinal perigoso ao mercado de ideias. Quando o custo esperado de uma piada vira oito anos de privação de liberdade, a “oferta” de humor pode cair drasticamente. Quem sobe ao palco passa a escolher o caminho insosso e politicamente correto ou simplesmente abandona o ofício. Neste caso ocorre o pior para uma sociedade, que é o conformismo e a submissão que impedem o funcionamento do mercado de ideias. O resultado é escassez de sátira exatamente quando mais precisamos dela para “furar” bolhas ideológicas.
Claro, não se trata de defender o direito de ofender gratuitamente minorias vulneráveis. Precisamos, antes de mais nada, aprender a desenvolver empatia com o próximo e nos colocarmos em seu lugar. Entretanto, mesmo com desenvolvimento de empatia e o nosso observador imparcial interno nos dando algum senso de justiça – tal qual concebido na “Teoria dos Sentimentos Morais” de Adam Smith, temos que reconhecer a desejabilidade de uso de instrumentos menos drásticos para corrigir piadas impróprias e de mau gosto, como discussão franca e aberta, ostracismo e até mesmo indenizações e direito de resposta. Estas alternativas internalizam os danos feitos sem esmagar a liberdade criativa nem levar a polarizações contraproducentes. Punir humoristas com prisão longa equivale a usar uma marreta para matar mosquito. Pode até matar o irritante inseto, mas deixas as paredes em ruínas.
Rir de nós mesmos para fugir do extremismo
Nosso desafio como sociedade, portanto, não é escolher entre censura total ou vale‑tudo humorístico, e sim cultivar o espírito que Oz propôs: “rir de nós mesmos”. Quem topa essa tarefa dificilmente enxergará o outro como inimigo a ser execrado ou mesmo eliminado.
Se restringir o riso sai caro, proteger o humor tem benefícios difusos: reduz a temperatura do debate, desarma tensões e, de quebra, aumenta nosso bem‑estar individual. O julgamento de Léo Lins, contudo, sinaliza o oposto. Ao decretar que “rir virou crime”, a sentença legitima a lógica punitiva que tanto criticamos em outras áreas e oferece munição para novos radicalismos – tanto à esquerda e quanto à direita.
No fundo, precisamos escolher entre manter o humor sob a custódia do estado ou libertá‑lo como ferramenta de convivência, lembrando sempre da regra básica da economia – incentivos importam – e da importante lição de Oz: países, partidos e pessoas com senso de humor tendem a produzir menos fanáticos. Se queremos um Brasil menos polarizado, talvez devêssemos começar pela gargalhada, em particular quando ela cutuca nossas certezas.