Por Flavia Barfknecht
Clube de Leitura D’Elas
A experiência
Ian McEwan me desafiou! Desde a capa do livro (dobraduras de contornos da cabeça humana) até seu título, Máquinas como eu: e gente como vocês, foram os responsáveis por me tirar o fôlego. Nunca havia lido nada do autor. Lançado em 2019, me instigou, revirou. Lindamente, o autor se arrisca entre a fronteira da ficção e sci-fi. Deixa a comunidade literária de cabelo em pé, e por sua vez os leitores também. Utiliza o universo imaginário, sem se deixar rotular e nos faz mergulhar na história.
O cenário
Em uma Inglaterra dos anos 1980, derrotada, em meio a inúmeros problemas sociais e cinzenta, Charlie, Miranda e Adão vão viver um dia a dia de amores, brigas e desilusões. Adão se torna o depósito de todas as dúvidas, as queixas e as ilusões do casal. Serve em alguns momentos como fuga da realidade e, em outros, torna-se o real em si.
A triáde
O triângulo amoroso entre Charlie, Miranda e Adão acontece num cenário lúgubre. Charlie, homem na casa dos 30 anos, desorganizado, à espera de um propósito de vida, gasta todas as suas economias na compra de um robô humanoide, de pele e sem ossos, cheio de fios, mas que tem feições agradáveis e que se assemelha, realmente, a um homem. Envolve-se numa rede de conexões tecnológicas e desconexões afetivas quando passa a relacionar-se com Adão. Brinca de Deus e encontra, pelo menos naquele momento, um objetivo de vida, e o que controlar. Entra Miranda. Vizinha idealizada, depositária de todas as expectativas amorosas de Charlie. Com ela, cria uma pseudorrealidade para criar Adão. Filho, amigo, empregado, objeto sexual. Deixam de ser dois para criar-se uma tríade, um triângulo frenético de confusões, obsessões e a fuga da realidade de vida de cada um.
O algoritmo
A cada página, nos deparamos com os contornos de três seres, ou seriam dois? Seria Adão quase humano? Ou apenas responde à programação algorítmica à qual foi submetido? A discussão vai longe no percurso do livro. Muitos cenários são construídos como pano de fundo para cada ação-reação dos personagens. A adoção de uma criança, vingança, estupro, fazem parte dessa cortina que os enrola ao longo das mais de 300 páginas.
As humanidades
McEwan leva o leitor a discutir sobre a relação entre humanos e as inteligências artificiais. Apresenta o futuro que já está presente. Usa Alan Turing como subterfúgio e confirmação de teorias tecnológicas, para justificar o uso dos robôs. Mostra um Turing controverso, obcecado por Adão e Eva (versão feminina do robô). Toca nas mais sensíveis dificuldades e dilemas humanos. Na necessidade de jogarmos com a vida como semideuses, do poder e do controle sobre o outro, sobre a vida e a morte. Na nossa fragilidade de caráter, de personalidade e no quanto desconhecemos de nós mesmos. Ele não tem respostas prontas.
A história passa a limpo a relação dos três e as nossas também! Tenta abraçar as entranhas das humanidades e desumanidades. Como somente Ian McEwan pode despertar no leitor, termino o livro com aquela sensação de prazer que somente uma grande obra pode proporcionar. Mas como não poderia deixar de ser, termino pensando! Adão tem sentimentos ou é o algoritmo que comanda? E seremos nós Máquinas como Eu ou gente como eles? Só por isso, já valeu a leitura.
Flávia Barfknecht é psicóloga clínica e organizacional. Empreendedora e mentora de mulheres e homens, através da psicoterapia e da jornada do autoconhecimento.
@Flaviabarfk
(51)998543772
Título: MÁQUINAS COMO EU
Autor: Ian McEwan
Editora: Companhia das Letras;1ª edição (19 junho 2019)
Tradução: Jorio Dauster
Tamanho: 304 páginas
Lançamento: 18 de abril 2019
2 Comentários
Sensacional o livro, a resenha crítica e o vídeo da Flávia, que conseguiu sensibilizar o leitor antes da aventura desse livro! Parabéns imulher, Simone e Flávia!
Gostei, deu vontade de ler! Obrigada pela dica ^^