Os princípios da “Arte da guerra” são aplicáveis a soluções de conflitos de qualquer espécie e na gestão de quaisquer organizações. São válidos para a administração de exércitos, de lares, de empresas e até de países.
A essência dos problemas de administração é a mesma em qualquer nível. Vejam o que aconteceu no Egito no verão passado.
Em 2022, a Europa foi surpreendida com a invasão da Ucrânia pela Rússia, que era o seu principal fornecedor de gás e de petróleo. Houve receio da falta de energia para movimentar as indústrias e para manter as residências. Grande parte da energia utilizada pelos países europeus provém do gás. A demanda por gás subiu vertiginosamente, até pelo receio do desabastecimento.
O Egito havia descoberto um campo de gás em suas águas territoriais e viu a oportunidade de fornecer gás à Europa para aumentar a receita.
Como os europeus tinham urgência de receber o gás, o Egito não planejou e nem se organizou adequadamente para a venda de gás. Avaliou inadequadamente suas necessidades e suas possiblidades, não calculou com precisão de quanto gás precisaria para atender à demanda interna e qual o excedente que poderia exportar.
O interesse pelos dólares, provenientes da venda do gás, falou mais alto e o Egito partiu para o ataque em novas frentes. Deu o passo maior que a perna.
O Egito viveu verão escaldante em 2023 e foi fustigado pela falta de gás, de tal forma que havia dificuldades até mesmo para manter acesas as luzes das casas.
A cidade do Cairo viveu apagões constantes em pleno verão. Os elevadores, os aparelhos de ar condicionado e os ventiladores paravam de funcionar por uma hora durante o dia. A internet caía frequentemente. Bairros eram iluminados à noite apenas pelos faróis dos carros.
Fora da capital, os blecautes foram mais frequentes e duravam mais. Algumas regiões turísticas foram preservadas para não afugentar os turistas.
Os apagões, aleatórios, duravam de 5 minutos a algumas horas.
O governo entusiasmou-se com a possiblidade de ganhar dólares com a venda de gás, não se preocupou em renovar ou diversificar a matriz energética e nem considerou corretamente suas necessidades. Tudo indica que foi com muita sede ao pote. Parece ter planejado mal o negócio.
Bem feitos, a análise e o planejamento de qualquer ação a ser empreendida levam os administradores ao sucesso; mal feitos, levam ao fracasso.
Atacar novas frentes sem ter consolidada a sua posição é certeza de fracasso, pois a retaguarda fica vulnerável.
O tempo, como um dos fatores de análise, parece não ter merecido a devida atenção; o forte calor do verão de 2023 fez com que o país tivesse necessidade de maior quantidade de gás.
A ação não tinha alternativas para fazer frente a deficiências ou dificuldades que surgissem. O planejamento não tinha flexibilidade e nem oferecia alternativas viáveis caso a opção principal falhasse.
A venda de gás exauriu os recursos do país, que passaram a fazer falta para a sua própria população.
Os princípios da “Arte da Guerra” são implacáveis.
Artigo escrito com base em artigo publicado pelo jornal O Estado de São Paulo, traduzido de artigo pulicado pelo jornal The Washington Post, assinado por Claire Parker, chefe da sucursal do jornal The Washington Post no Cairo, e Heba Farouk Mahfouz, repórter do jornal The Washington Post no Cairo.