RECADOS
Há mensagens embutidas por trás da eleição de Javier Milei para presidente da Argentina. A vitória de Milei representa o cansaço dos argentinos com a mesmice e a busca do novo, ainda que o novo represente um salto para o desconhecido.
Demonstra cansaço com o sistema político e com os políticos convencionais que dominaram a cena por 40 anos, repartindo o Estado e suas benesses entre eles mesmos. Milei representa o oposto do político convencional.
O voto nele é o voto contra os partidos tradicionais, contra a retórica convencional vazia e mentirosa (seu lema de campanha contém um palavrão) e contra a ocupação do Estado pelos mesmos, que o dividiam como capitanias hereditárias entre si e seus apaniguados.
O voto em Milei, que defende a liberdade como valor supremo, repele o Estado onipresente, poderoso, dono e provedor de benesses. O Estado argentino, como todo Estado populista e autointitulado “pai dos pobres”, sufoca a população com impostos escorchantes e abusivos a fim de conquistar a fidelidade e os votos dos ignorantes com distribuição de benesses e bolsas-qualquer-coisa e, com isso, perpetuar-se no poder.
Javier Milei deverá fazer a “desapropriação estatal”, retirando do poder nomes que governam o país há décadas e dividem entre si o butim. Durante a campanha, ele apresentou-se com uma motosserra a simbolizar o corte que pretende fazer em cargos, cabides de emprego e regalias.
A vitória de Milei representa o voto de confiança nas reformas que ele propôs, com as quais pretende tirar o país do caminho do caos para onde estava sendo levado, com inflação crescente e inação dos governantes.
Em meio a angústias e desesperanças, Milei representa o novo, a mudança e a esperança. É o sangue novo injetado no doente terminal.
REFERÊNCIAS PRECONCEITUOSAS
Interessante como a imprensa brasileira se referia – e refere – preconceituosamente a Javier Milei, em razão de ser ele de direita e defender a liberdade (a esquerda sempre desqualifica opositores com palavras depreciativas): ”El loco”; “exótico azarão despenteado”; “libertário” (palavra esquisita, que significa ‘partidário da liberdade absoluta’); “anarcolibertário” ( que rejeita a noção do socialismo como controle centralizado e propõe a sociedade livre de hierarquias coercitivas); “anarcocapitalista” (político libertário que defende o direito à soberania do indivíduo por meio da propriedade privada e do livre mercado); “incendiário”; “inexperiente”; “personalidade histriônica”, “populista clássico” (aquele que pretende representar o povo e fala apenas aquilo que o povo quer ouvir para aliciar as classes menos favorecidas)…
DESAFIOS
Milei enfrentará desafios de toda ordem para reorganizar o país. Eis alguns de maior magnitude.
DESAFIO |
EXPLICAÇÃO |
|
1 | Inflação elevada | O índice da inflação argentina foi 9% em outubro e o acumulado dos últimos 12 meses foi de 147%. Em dezembro de 2019, a inflação foi de 54%; 4 anos depois, está em 147%. |
2 | Recessão | A economia argentina terá retração de 2,5% este ano. A seca foi um fator que prejudicou o agronegócio. |
3 | Escassez de dólares | Sem dólares em reserva, o governo atual barrou importações, o que causou falta de alimentos, remédios, insumos e peças de máquina para produzir. As reservas de dólares do Banco Central argentino estão praticamente zeradas. |
4 | Pobreza | 40% dos argentinos vivem abaixo da linha de pobreza e, ainda assim, Milei precisará eliminar ou diminuir subsídios dados pelo governo e cortar programas de ajuda social, a fim de equilibrar o caixa. |
5 | Mercado cambial | O mercado cambial argentino é caótico, com mais de 10 cotações para o dólar. Há cotações para setores específicos. |
6 | Dívida com o FMI | Cálculos indicam que a Argentina deve 43 bilhões de dólares ao Fundo Monetário Mundial e seu caixa está zerado. |
7 | Rombo nas contas públicas | O rombo nas contas públicas, decorrente dos gastos maiores que as receitas, fez com que o governo atual imprimisse maior quantidade de dinheiro, o que gera inflação. |
8 | Apoio parlamentar | A coligação de Milei elegeu 38 de 257 deputados e 7 de 72 senadores, número insuficiente para aprovar projetos. Há dúvidas se ele contará com o apoio da coalizão formada pelo ex-presidente Macri e por Patrícia Bullrich, que o apoiaram. |
9 | Setor público inchado | Os últimos governos dobraram o tamanho do setor público, incharam as estatais deficitárias e geraram déficit público. |
SONHO E ESPERANÇA
O jornalista Ariel Palácios observou a seguinte frase num muro em Buenos Aires: “Chega de realidade; eu quero sonhar”.
Milei é o sonho, a esperança e a mudança pelos quais os argentinos ansiavam.
OBSERVAÇÃO: O quadro dos desafios que Milei enfrentará referem-se à situação da Argentina, embora grande parte delas possa vir a retratar situação semelhante no Brasil futuramente, caso o governo mantenha o déficit público, aumente o rombo das contas públicas, ignore os riscos da inflação e inche o setor público e as estatais com acumpliciados.
Espero que o Brasil não copie integralmente o malfadado caminho trilhado pelos argentinos, para que não ocorra o jargão conhecido como o da Vodka Orloff: “Eu sou você amanhã”.
Cláudio Duarte,
Colunista e colaborador do PortaliMulher.