A crônica “O invisível ficou visível”, publicada pelo PORTALIMULHER, recebeu comentários de leitores no site da revista e no email e no Whatsapp do autor. Alguns leitores tiveram aguçadas lembranças de sua vida em que praticaram gestos de bondade e tornaram alguém visível.
O PORTALIMULHER resolveu publicar gestos de atenção de seus leitores, com a finalidade de mostrar que o Bem se faz mais presente que supomos e que, invariavelmente, os autores de gestos bondosos se sentem recompensados espiritualmente pelo bem que praticam.
EU TORNEI ALGUÉM VISÍVEL
Pelo Coronel Veterano do Exército Waldir Roberto Gomes Mattos
Há bom tempo, os militares sofremos campanhas difamatórias. Gorila, torturador, assassino, nazista, fascista, bitolado, ditador, defensor de ditador são algumas das palavras com que se referem a nós.
Como toda classe que usa uniforme, a referência feita a um indeterminado atinge a todos. Os chefes usaram o silêncio como resposta, com a pretensão de não acirrar ânimos e de buscar a pacificação nacional.
Ocorre que, muitas vezes, em face do estigma das referências ofensivas, deixamos de ser vistos como os seres humanos que somos.
Podemos ser diferentes em alguns aspectos, porque incorporamos em nossa vida valores e princípios nem sempre cultuados por grande parte das pessoas. A disciplina militar é a educação pessoal com outras formalidades; é um passo adiante da boa educação. O civil diz “bom dia”; o militar, além de dizer “bom dia”, presta continência. O civil se levanta ao som do Hino Nacional; o militar perfila.
As virtudes pregadas e vivenciadas na caserna são a base necessária para que o militar exteriorize o preparo para o cumprimento de missões que podem exigir o sacrifício da própria vida.
Por de trás da farda, há seres humanos que pensam, que vivem, que riem, que sofrem dores e angústias e que têm sentimentos. O fato que vou narrar, motivado pela crônica “O invisível ficou visível”, publicada pelo PORTALIMULHER, bem o demonstra.
Fui professor da Universidade Tuiuti do Paraná, em Curitiba, onde lecionei a matéria ‘Ética e Cidadania’ para diferentes cursos.
O prédio, onde morava, tinha apenas uma vaga de garagem. À noite, eu deixava o carro num estacionamento próximo e caminhava até em casa. Deixava a vaga para o carro da Bárbara, minha mulher. Coitado de mim se não a deixasse…
Na esquina de casa, um senhor usualmente vendia cachorro-quente numa barraca. Era um alívio para mim, que não tinha tempo para jantar antes das aulas, fazer a ‘boquinha’ com o cachorro-quente. Assim, não tinha muito trabalho ao chegar em casa e não incomodava a Bárbara.
Noite fria de uma quinta-feira qualquer, por volta de 23 horas, eu saboreava o cachorro-quente quando se aproximou da barraca um catador de papel, acompanhado de dois filhos com idade entre 5 e 8 anos. Ele estacionou o carrinho de mão ao lado da barraca e pediu ao vendedor para partir um pão para as crianças. A cena comoveu-me.
Mandei o vendedor servir um cachorro-quente completo para os três, com todos os acompanhamentos que eles quisessem: batata frita, molhos, salada, milho. Completo.
Surpreso, o pai dos meninos ajoelhou-se, orou, chorou copiosamente e disse que os meninos ainda não tinham comido nada naquele dia. Agradeceu-me chorando, abraçamo-nos e eu chorei junto com ele. Despedimo-nos e marcamos novo encontro na quinta-feira seguinte.
Ao chegar em casa, Bárbara me perguntou por que me atrasara e eu apenas respondi que estava comendo cachorro-quente com amigos.
Durante uns quatro meses, toda quinta-feira à noite eu me encontrava com os novos amigos na esquina do cachorro-quente. Conversávamos, comíamos cachorro-quente e até ríamos descontraidamente.
Até que uma quinta-feira, eles não apareceram. Nem na semana seguinte. Nem na outra. O pai deve ter arrumado emprego e deixou de catar papel. Tomara tenham alcançado vida melhor.
Guardei a lembrança dos amigos improváveis e do grande bem que me fizeram sentir.
Não me importa se eles me esqueceram. Importa-me que nunca os esqueci e nunca esquecerei o bem que eles me fizeram sentir.
2 Comentários
Bom dia!
É impossível não se emocionar com esse relatos, são situações que nós deparamos diariamente e que nos revelam o valor de um simples Bom dia.
Parabéns pela iniciativa de relatar casos, que, certamente, vão ensinar outras pessoas o valor do amor ao próximo.
Bom dia!
É impossível não se emocionar com esses relatos, são situações que nos deparamos diariamente e que nos revelam o valor de um simples Bom dia.
Parabéns pela iniciativa de relatar casos, que, certamente, vão ensinar outras pessoas o valor do amor ao próximo.