A grama do vizinho nunca pareceu tão verde quanto nas redes sociais. Quem nunca sentiu uma pontinha de inveja? Corpos perfeitos, viagens, sucesso, dinheiro e amores bem-sucedidos. Mesmo para os que não seguem esse tipo de perfil, as imagens e histórias não passam despercebidas.
Quem são essas pessoas capazes de seduzir e capturar nossa mais importante moeda de troca: o tempo e a atenção? Chamamos de influenciadores as pessoas que acumularam muitos seguidores nas redes sociais e têm o poder de moldar opiniões, tendências, comportamentos e valores.
Cresci ouvindo minha mãe dizer: “Dize-me com quem andas e te direi quem és.” Afinal, somos seres influenciáveis. Redes sociais funcionam como vitrines perfeitas, projetadas para despertar desejos e comparações sob a falsa ilusão de autenticidade.
Os influenciadores desempenham papel importante nesse contexto, pois impactam a forma como nos percebemos e como enxergamos o mundo, tamanho o poder derivado da relação de proximidade que aparentam ter com seus seguidores, seja esse sentimento de intimidade mútuo ou apenas unilateral.
Segundo Maferima Touré-Tillery , professora associada de marketing na Kellogg School, “até mesmo um relacionamento imaginário com um criador de conteúdo online aumenta a receptividade de uma pessoa a recomendações de produtos e marcas.” O problema é que esses “mentores” nem sempre possuem as credenciais necessárias e, principalmente para o público jovem, se tornam não apenas modelos, mas verdadeiras fontes de inspiração.
Consciência crítica
Somos seres sociais. O ser humano sempre buscou referências e nutre o desejo primário de aceitação. A ânsia de ser notado, de receber curtidas, de ver as postagens viralizarem está intrinsecamente ligada à busca por reconhecimento. A exposição excessiva é encorajada pelas próprias plataformas, que funcionam como gigantescas máquinas de feedback positivo. Mas a que custo?
Diversas pesquisas apontam que a busca constante por engajamento pode gerar ansiedade e sentimentos autodepreciativos. Afeta diretamente a saúde mental. O mesmo Instagram e TikTok que nos unem também podem ser nefastos. Seria estratégico não permitir que a linha entre a inspiração e a pressão para corresponder fosse ultrapassada, mas nem todos conseguem. Sendo assim, os perfis que você segue te impulsionam a produzir, a melhorar e acreditar em você mesmo? Faça autocrítica.
Ter a consciência de que redes sociais são ambientes altamente editados é essencial para evitar cair na armadilha da comparação. Quando nos espelhamos em lugares ou pessoas erradas, corremos o risco de sermos manipulados, não conduzidos. Influenciadores que promovem padrões inalcançáveis acabam criando uma espiral de frustração para aqueles que tentam imitá-los sem os mesmos recursos ou contextos.
Filtrar os perfis que seguimos com um olhar mais crítico é indispensável. Dar preferência a conteúdos que agreguem algum valor à sua vida, ao invés dos que lhe fazem sentir insuficiente é um passo importante para usar as redes de modo racional. Muito mais saudável torcer e vibrar pelas conquistas dos outros do que se consumir em inveja ou descontentamento.
Influenciadores do bem
Diversos criadores de conteúdo inspiram seus seguidores de forma positiva, combatem padrões irreais, compartilham a própria vulnerabilidade. Tem muita gente boa por aí. Sigo poucos porque mantenho a régua elevada. De modo geral, prefiro aplaudir as vitórias pessoais das amigas a contabilizar números no perfil de desconhecidos que não acrescentam muita coisa.
Neste último Réveillon não consegui agendar manicure, cabeleireiro, etc., na véspera da viagem. Pode parecer bobagem (ou futilidade?), mas coisas assim me incomodaram em algum momento da vida, já fui muito mais vaidosa. Felizmente a pessoa amadurece, evolui e os valores mudam. Estar com a unha sem esmalte e a cara lavada foi o menor dos meus problemas, não feriu em nada a minha vaidade. Por sinal, me achei ótima!
Mais do que nunca, quero ver gente assim nas redes sociais. Mulheres que ajudam a humanizar as experiências online, capazes de mostrar quem são e o que são com orgulho, sem máscaras. Pessoas de verdade, menos personas.
Para refletir
Se pararmos para pensar, existem apenas duas indústrias que chamam seus clientes de “usuários”: a de drogas e a de software. Não é coincidência. Redes sociais foram projetadas para serem viciantes e capitalizar sobre nossas emoções. O desafio é usar as plataformas de maneira consciente e aproveitar os benefícios sem sucumbir aos efeitos colaterais.
Como interagir no universo digital? Podemos escolher ser conduzidos por modelos positivos e usar nossa presença online como ferramenta de crescimento ou nos tornarmos prisioneiros de comparações e inseguranças.
Por fim…
Não sei de onde minha mãe tirou aquela citação, se é versículo bíblico ou de algum filósofo, mas sigo repetindo a versão moderna para meu filho: “Dize-me quem tu segues e te direi quem és.”
Não menos importante: “Quem te segue?” Como diria uma cara influenciadora do Instagram: “Diga para mim.”
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6 Comentários
Belo texto. Atual e apropriado. Toda mãe deveria ler!
Você, como sempre, acertiva na escolha de assuntos pra levar à reflexão . Parabéns!
A Si consegue fazer reflexões poderosas com simplicidade e profundidade. Vejam passagens inteligentes desse texto, o destaque à falta de autenticidade como verdadeira fonte de problemas de limitação da autocrítica no seguir alguém e querer imitar. Ansiedade em se comparar com uma vida editada. Insights inteligentes que a Simone tem de sobra, por conta desse longo histórico de muito estudo e leituras diversificadas. O que fazemos sem ninguém ver tem um impacto no íntimo e no subconsciente que está desvalorizado, de forma equivocada. Parabéns Si e muito obrigada por colaborar tanto!
Que texto verdadeiro e gostoso de ler! Pontuado com humor, fica melhor ainda! A coluna da Simone é sempre um presente! Inteligente e versada em várias áreas, percebe a realidade e sempre escreve de maneira lúcida, mas também leve, nos levando a refletir sobre temas variados.
Sou da opinião que as pessoas já estão se cansando de influencers e percebendo que elas sim, são o produto sendo vendido nas redes sociais.
Com raras exceções, estão todos ali querendo obter alguma vantagem financeira, e por isso elogiam de maneira óbvia ou subliminar seus produtos, cursos, dicas de milhões… O humot, a dor, tudo é capitalizado, na medida em que interagimos e engajamos com likes, hate, comentários contra ou a favor de qualquer assunto. O sonho deles é viralizar, ainda que promovendo tragédias de suas vidas pessoais e fazendo posts de extremo mau gosto, como foi o caso recente da Mayra Cardi e do marido quando ela perdeu o seu bebê por um aborto espontâneo e chegou a fotografar o pequeno embrião morto nas redes… A que ponto as pessoas chegam para criar polêmicas e gerar comentários para ganhar dinheiro? Nada mais é íntimo, nem respeitado… São atitudes que ficarão para sempre expostas nas redes sociais. Exposicão excessiva, ostentação, falsidade… Quantos casais aparentam aquela vida perfeita e depois todos descobrem era tudo um teatro buscando esse tal engajamento? Riqueza nos dias de hoje é ter saúde mental, e ser anônimo, ter suas redes fechadas e focar nos seus objetivos, na sua família, no seu trabalho! 😉
Simone, que texto poderoso! Você sempre tem esse talento de transformar reflexões tão relevantes em palavras que tocam profundamente. Essa análise sobre as redes sociais e como elas moldam nossa percepção é simplesmente brilhante. Me vi em vários trechos, especialmente quando você fala sobre a linha entre inspiração e pressão – tão verdadeira e necessária de se destacar!
Também amei o toque pessoal no texto, como no exemplo do Réveillon. É isso que te torna tão especial: essa mistura de humanidade, maturidade e autenticidade. Você inspira não só pela inteligência, mas pela maneira como conecta o coração com o que escreve.
Parabéns por mais um texto incrível. Sigo muito orgulhosa de ser sua amiga!
Si, como sempre, certeira e atual. A verdade é que, abrindo uma porta para determinado tipo de conteúdo, fecha-se a porta de outro. Nosso tempo é curto e, cada vez mais, é válido ser muito crítico sobre quem seguimos nas redes. Fico abismada e triste de ver pessoas investindo dinheiro, tempo e até ‘entregando’ a saúde em mãos desconhecidas e não credenciadas. As empresas utilizam redes sociais na análise de candidatos para vagas de trabalho. Este fato também diz muito. O que expomos e quem seguimos diz muito sobre nós e nossos valores. ‘Diga para mim’, vamos fazer uma limpeza nas redes para abrir espaço para o bom, o sério e o honesto?
Muito pertinente! Lembrando que a maioria dos influencers famosos está atrelada a clientes cujos produtos representam , sendo pagos por eles. O objetivo é trazer consumidores, e não poupam esforços ou recursos pra isso. Marketing mascarado, disfarçado de um estilo de vida e valores minuciosamente trabalhado, construindo uma ficção cujo objetivo é pegar um incauto que lhe compre o produto. Crianças e adolescentes são presas fáceis…