Detesto pernilongos, na Região Norte conhecidos como “carapanãs”.
Detesto o zumbido que eles fazem ao voar e que perturbam o meu sono. Detesto a picada deles, que me causa irritação na pele e coceira. Detesto o incômodo e o desconforto que eles me causam. Já ouvi de amigos – e talvez você também tenha ouvido – que não perdoam Noé haver colocado pernilongos na arca para que eles sobrevivessem.
Tenho motivo especial para detestá-los: meu sangue tem componente especial que os atrai. Se eu estiver no meio de dez pessoas, invariavelmente os pernilongos procurarão o meu sangue. A não ser, claro, que outra pessoa tenha sangue com componentes semelhantes ao meu. Sou, portanto, excelente repelente de pernilongos para as pessoas que estiverem ao meu redor.
Por tudo isto, eu os tenho como inimigos declarados. Inimigos figadais. Inimigos mortais. Que me perdoem os três amáveis leitores destas linhas que não tiverem o mesmo sentimento em relação a pernilongos e/ou lhes dediquem tolerância ou compaixão. Eu não as tenho. Detesto-os. Persigo-os avidamente com as mãos ou com raquete.
Domingo passado, enquanto assistia à partida de futebol americano dei um tapa num pernilongo que não o matou; simplesmente derrubou-o e deixou-o vivo, mesmo com a barriguinha cheia de meu preciosos sangue.
Meu braço coçava irritantemente, e logo formou-se um calombo. Externei toda a minha revolta e vingança contra o bicho: arranquei-lhe uma asa e uma patinha, coloquei-o sobre a cama e o tocava com o dedo para fazê-lo voar. Sem asas, naturalmente ele não conseguia. Confesso que, por conta da vingança, eu me divertia com a brincadeira. Até deixei de assistir, por momentos, ao jogo emocionante.
Fui além. Filmei a cena e a enviei para amigos do Whatsapp. Recebi diferentes comentários. Eis alguns:
- Nazista, torturador e sádico.
- Desalmado e malvado.
- Inimigo da Natureza.
- Que eu vá para o inferno e seja amarrado pelo “chefe” local para que todos os pernilongos do mundo me piquem.
- Não acho graça nessas maldades.
- O pernilongo é irracional, mas você parece mais irracional que ele.
- Denunciarei você à Sociedade Protetora dos Animais.
- Falta do que fazer.
- Procure terapia urgentemente.
- Em busca de perdão, procure Edir Macedo. Ou Valdemiro Santiago. Ou o Papa. E pague dízimo bem alto.
- Matar o bicho seria normal. Mas torturá-lo é coisa de débil mental.
- O pernilongo age de acordo com a natureza dele. Você, humano, é que tem de controlar seus impulsos. Se é que você é humano.
Recebi, também, comentários favoráveis:
- Muito bem. Agiu por mim.
- Deveria ter feito isso e ter ficado zumbindo zzzz perto dele.
- Kkkkkk
- Vingou-se por mim.
- Fez o que eu gostaria de fazer.
- Aprendi com você.
- Continue assim.
- Parabéns! Sinto-me vingado.
- Vou contratar você para fazer o mesmo na minha casa, para espantar os daqui.
Em consulta com minha psiquiatra, contei a ela o ocorrido. Disse a ela que eu encarava meu ato como criancice, como ato da criança que teima em permanecer em mim, apesar do transcurso de tempo de mais de sete décadas.
Ela sorriu compreensivelmente e disse que aceita minha ação apenas com pernilongos e que, desde que eu a faça apenas com pernilongos, estou perdoado. Mas, se eu pensar em fazer coisa semelhante com um vizinho (embora alguns possam merecer), que a procure imediatamente.
Com o aval da Dra. Lorena, psiquiatra competente, dedicada e que muito me ajuda, senti-me compreendido, perdoado e com carta branca para agir da mesma forma futuramente contra os pernilongos.
Apesar dos comentários depreciativos, senti-me (quase) normal. UFA!!!
Cláudio Duarte, colunista do PORTAL IMULHER.
4 Comentários
Muito bem alinhavado sei texto, principalmente na parte das criticas e elogios que recebeu. Caso esteja aceitando trabalho nesta área, convido-o a vir para Manaus, pois aqui esse bichinho nunca falta…
Você também brilhou aventurando-se nesse gênero textual.
Parabéns pela crônica.
Quem nunca kkkkkkkkk! Excelente texto, Cel! E ainda me recordou o termo “carapanã”, que há muito não ouvia falar, de minha querida terra natal, Belém!!!
Acho que vc pegou muito leve com este pequeno ser que usurpou sua pele e levou parte do seu precioso sangue. Fosse eu comprava um lança chamas para prevenir próxima investida deste ignóbil voador.