Clubes de leitura vão muito além de uma desculpa para beber vinho. Pessoas se reúnem para ler e trocar ideias desde a Grécia antiga, portanto não é nenhuma novidade, apenas uma tendência renovada.
Sou uma mulher que participa de clube de leitura. Desde a fundação do Clube de Leitura D’Elas, em abril de 2023, visitei livros que jamais teria cogitado. Abriu-se um leque em minha mente. A maioria das integrantes já se conhecia, mesmo assim, nunca me senti uma outsider, sempre houve entrosamento. E não era por causa do vinho.
Nosso clube é exclusivo para mulheres.
Você pode até imaginar que selecionamos livros com temáticas feministas ou escritos somente por mulheres, como o clube da Reese, mas não é o caso, assim como não era no primeiro clube de leitura feminino de que se tem conhecimento.
Primeiros clubes de leitura femininos
Tudo começou em 1634, quando uma mulher chamada Anne Hutchinson criou um grupo para discutir as escrituras a bordo de um navio durante a travessia da Inglaterra à colônia da Baía de Massachusetts, do outro lado do oceano. Ler e debater textos religiosos entre mulheres era considerado ousado demais, não foi visto com bons olhos na época e o clube foi encerrado. Anne continuou os estudos bíblicos em casa. Quando seu grupo ficou mais popular que os cultos da igreja, ela foi julgada, exilada e banida para Rhode Island.
Desde então, encontros literários se tornaram forma de resistência e ativismo. Em 1778, Hannah Mather Crocker criou uma sociedade de leitura em Boston para estudar ciência e literatura. Para ela, aprender era um uso mais digno do tempo das mulheres do que os papéis impostos pela sociedade. Em 1839, Margaret Fuller promovia encontros, também em Boston, sobre literatura, educação, mitologia e filosofia.
Já nas décadas de 1960 e 1970, grupos de mulheres influenciados pelo movimento de libertação feminina, moldaram decisivamente o formato dos clubes de leitura para o que temos nos tempos atuais, estabelecendo a combinação de literatura, discussão intelectual e a conexão social que caracteriza esses espaços até hoje.
Consequências da pandemia
Durante a pandemia, por conta do isolamento, muita gente buscou refúgio em clubes online — práticos, sem grandes compromissos. Porém, grupos que promovem encontros presenciais têm outro quilate.
Mulheres normalmente anseiam por conexões que tenham suas texturas enraizadas em experiências da vida real, uma sintonia que se dá de forma muito mais profunda se for olho no olho, ao vivo e a cores.
Grande parte do fascínio pelos clubes de leitura está impregnado de nostalgia por um mundo pré-internet e do desejo de retomar velhos hábitos deixados para trás. A literatura sempre teve o poder de promover conexões e não seria diferente nos tempos atuais.
Oprah, Reese e o boom dos clubes
Muitos creditam a Oprah Winfrey o crescimento dos clubes de leitura nas últimas décadas por conta do Oprah’s Book Club, criado 1996. Com foco no público feminino, Oprah formou uma geração de leitoras que se reunia para discutir tramas, dissecar temas, ideias e sentimentos — e ainda ajudou a alavancar a carreira de diversos autores.
Reese Witherspoon foi além. Da loira subestimada do cinema à atriz mais bem paga do mundo, ela revolucionou o mercado editorial e de entretenimento através de seu clube do livro focado em protagonistas femininas. Os livros selecionados já vêm com acordos de adaptação que são fechados posteriormente com plataformas como Netflix e Hulu. Em 2021, sua produtora Hello Sunshine foi vendida parcialmente por US$ 900 milhões.

Clube de Leitura D’Elas
Dizem que ler é uma atividade solitária, mas o Clube de leitura D’Elas, de Porto Alegre, está determinado a mudar esse conceito e transformar a experiência em uma jornada coletiva.
A cada mês, o livro é sorteado entre as sugestões das integrantes. Quem indica o título que será lido abre as portas de sua casa para um jantar literário, onde acontecem trocas poderosas, crescimento e aprendizado para todas as participantes.
A formula deu tão certo que o clube já conta com quatro unidades, além do grupo 60+, composto por mulheres a partir de 60 anos. Segundo a fundadora do Clube de Leitura D’Elas, Claudine da Costa Smolenaars, um grupo exclusivo para essa faixa etária “promove mais conexão entre aquelas que vivem situações parecidas, já são avós, aposentadas, já viveram mais… e estão em outro ritmo, buscam reflexões diferentes das mais jovens”.
Por fim…
Clubes literários com esse formato ganham popularidade, pois refletem uma mudança social mais ampla em direção a conexões verdadeiras e senso de comunidade tão escassos hoje em dia. A oportunidade de trocar ideias sobre clássicos da literatura brasileira, como Olhai os lírios do campo, de Érico Veríssimo, ou alguma ficção em prosa da Tetralogia Napolitana, nos oferece o alívio de mais uma noite livres de sermos sugados pelos algoritmo das redes sociais.
Afinal, não estamos todos precisados de um pouco mais de conexão e contato humano em um mundo cada vez mais solitário?
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