Meu clube de leitura

Quando meu filho ainda era criança “brincávamos” de ler livros juntos. Antes de ser alfabetizado eu lia para ele, depois que aprendeu a arte das letras, sentávamos no meu quarto e cada um degustava “as suas coisas”, então comentávamos a respeito. Cumprimos esse ritual ao longo de muitos anos, mas o tempo passou, os interesses mudaram e a vida seguiu seu curso, como deve ser. Nossa brincadeira ficou na lembrança.

Meu amor pela leitura vem desde muito jovem. Já li de tudo, sou de fases.

Há poucos meses atrás ingressei em um clube de leitura. Não foi o primeiro, provavelmente não será o último, mas torço para que tenha vida longa. A grande maioria das mulheres que integram o Clube de leitura D’Elas, como foi batizado, são amigas de longa data (salvo engano), ou no mínimo se conhecem de algum outro lugar, o que não é o meu caso, sou a própria outsider.

Aconteceu que o primeiro encontro presencial do grupo foi bastante interessante por conta deste detalhe: eu não conhecia ninguém, exceto a organizadora do clube, a amiga que me convidou para embarcar nessa aventura. Em não conhecendo ninguém, todo comentário que ouvia sobre o livro vinha nu, despido de qualquer juízo que pudesse fazer sobre a interlocutora. Uma opinião crua, neutra para os meus ouvidos. Presto atenção no que as pessoas dizem. Ainda que não tenha memorizado o nome de todas as associadas, lembro grande parte do que foi comentado naquela noite.

Tirei proveito de cada palavra e repensei minha própria conclusão sobre o que havia lido. Eis a riqueza de um clube de leitura: pessoas diferentes, formações diferentes, cada uma com sua visão, com um sentimento particular sobre o que Carla Madeira quis contar em Véspera, o primeiro livro sorteado. Fiquei tão envolvida com a história que o final de semana foi de pura imersão: dissequei o livro em pouco mais de quarenta e oito horas e das três obras publicadas pela autora só falta ler uma, que já tenho em mãos. Só por conhecer Carla Madeira já sou grata às gurias do grupo.

O segundo livro, “Mulheres sem nome” de Martha Hall Kelly, foi uma viagem completamente diferente que me atingiu em cheio: ficção histórica sobre o holocausto contado sob a perspectiva de três mulheres distintas – vou economizar nas palavras, pois o encontro presencial ainda não aconteceu e porque ninguém melhor para comentar a obra do que a própria colega que o indicou.

Ou seja, duas leituras diferentes que dificilmente seriam uma opção em outras circunstâncias. Isto significa que além da oportunidade de ler livros diversos e discuti-los, fazer parte de um clube literário pode trazer vários outros benefícios:

Tirar você da rotina de ler o mesmo gênero
De acordo com uma pesquisa da Penguin Random House, 57% de leitores ávidos disseram que em outra circunstância não leriam muitos dos livros selecionados por seu grupo literário. Ter um processo democrático para a escolha dos livros garante que todos os integrantes possam expor suas preferências além de obrigá-los a sair da zona de conforto. Eu poderia estar lendo apenas os livros de História e biográficos – a fase do momento – que adquiri antes de entrar para o grupo. Mas não, porque as associadas do meu clube sugeriram outros tópicos. Nenhum dos livros que citei anteriormente eu teria escolhido aleatoriamente nas prateleiras de uma livraria, mas minha vida literária é mais rica por conta disso.

Ler com mais foco
A menos que seu clube do livro seja sobre queijos e vinhos, espera-se que você discuta o livro. Você descobrirá que, em vez de ler na diagonal, prestará mais atenção às nuances do texto, terá um olhar mais crítico com relação aos personagens e à própria narrativa para trazer suas conclusões ao grupo. Só para constar, tivemos uma pequena diferença de opiniões quanto ao final de Véspera o que tornou a conversa ainda mais rica e acalorada.

Assumir compromisso com a leitura regular
Casa, família, trabalho, uso compulsivo de celular… tudo isso consome tempo de leitura. Comprometer-se com um grupo literário significa comprometer-se a ler livros. Você pode nem sempre terminá-lo e, ocasionalmente, nem mesmo iniciá-lo. Mas o compromisso com um clube de leitura lhe obriga a tomar essa decisão deliberadamente. Você lerá mais, com toda certeza.

Clubes de leitura obrigam você a ter uma opinião
Outra razão pela qual clubes literários são importantes é que eles irão forçá-lo a ter (e expressar) uma opinião. Nem todo mundo se sente confortável falando em público, mas o seu grupo realmente quer ouvir o que você pensa, como aquela determinada leitura lhe afetou pessoalmente e você ainda pode ter uma opinião sobre coisas que os outros não consideraram. O objetivo do grupo não é apenas compartilhar informações, o mais importante é compartilhar a experiência da leitura com pessoas que estão dispostas a lhe ouvir. Não sou uma pessoa muito falante, mas fiquei empolgada quando me foi dada a palavra no dia do encontro: tinha esclarecidos para mim a história e o enredo do livro e ouvindo os comentários das colegas, a intenção da autora ficou ainda mais cristalizada. Expor a minha opinião foi fundamental. Ler é uma experiência pessoal, compartilhar com pessoas interessadas é oportunidade.

Ler promove aprendizagem ao longo da vida
Qualquer tipo de leitura é importante para ajudar a fomentar a curiosidade e o hábito de aprender, mas como os clubes do livro nos mantêm responsáveis por ler mais do que de outra forma, é bastante provável que o efeito contínuo do aprendizado aconteça. Você aprenderá mais sobre pessoas e culturas, enquanto também expande seu vocabulário e exposição a novas ideias. “A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original.” Aprendi com Oliver Wendell Holmes (cuja biografia vale a pena ler).

Clubes de leitura levam a fazer amigos
Laços fortes de amizade ajudam a construir vidas mais longas e saudáveis, dizem os especialistas. Todavia, como adulto pode ser difícil fazer novos amigos fora do ambiente de trabalho ou de círculos muito específicos. O bônus da amizade certamente existe em um grupo de leitura onde as pessoas expõem seus pensamentos, liberam suas emoções, cultuam a cultura e ainda por cima brindam a tudo isso!

Somente quando tratamos o ato de ler como algo a ser descoberto e explorado e não como uma obrigação é que realmente desenvolvemos o apreço pela leitura. Exercer esta prática no Clube de leitura D’Elas, incentivada por mulheres cultas e inteligentes (e divertidas!) é muita sorte.

Quanto ao meu filho, o último livro que lemos juntos foi a Ilíada e Odisseia de Homero, que não concluímos. Ele hoje tem vinte e quatro anos, está se formando na faculdade de Engenharia e fala três idiomas estrangeiros. Acho que a semente germinou.