As celebrações da Sexta-feira Santa em Diamantina marcaram a vida dos diamantinenses e de quem a vive.
Semana Santa em Diamantina
Nasci e criei-me em Diamantina, cidade histórica com fortes raízes culturais, religiosas e tradicionais. Minha avó se encarregou de enfeitar a Capela do Santíssimo da Catedral e, algumas vezes, eu a acompanhava. A força da fé cristã e católica era muito forte em minha família e na cidade.
As celebrações da Semana Santa são muito expressivas e marcaram a todos que lá viveram. Havia grande preparação, que se iniciava logo depois do Carnaval.
Não se comia carne na quarta-feira de cinzas e nem às sextas-feiras durante toda a quaresma. As imagens dos santos das igrejas eram cobertas com pano roxo. Ainda hoje não sei o significado desse costume. Lembro que, meninote, eu tinha receio de puxar ligeiramente o pano roxo para ver a imagem de Cristo carregando a cruz e a imagem gritar “Ah, aahhhh” e me passar um susto.
As celebrações Semana Santa propriamente começam no Domingo de Ramos, com a cidade enfeitada de ramos pelas ruas para acolher a imagem de Cristo durante a procissão de ramos.
Na quarta-feira, há a procissão do encontro da imagem de Cristo carregando a cruz com a imagem de Nossa Senhora das Dores, imagem profundamente triste, com os olhos voltados para cima, lágrima escorrendo e os braços estendidos, como se pudesse aconchegar e abraçar Cristo. Cada imagem sai de uma igreja e as duas se encontram numa das ruas da cidade.
A procissão é silenciosa, como a exteriorizar a dor e o sofrimento do momento. Depois do encontro, as imagens vão para a mesma igreja, creio que a Igreja de Nossa Senhora do Carmo.
A Sexta-Feira Santa
Na frente da Catedral, constrói-se o calvário, com a imagem de Cristo, ladeada pelos dois ladrões. As pessoas visitam o Calvário, onde recebem um ramo de flores típicas da Semana-Santa, com aroma peculiar.
À noite, há a celebração do descendimento de Cristo da cruz e em seguida a procissão do enterro, com os personagens bíblicos representados por moradores. Há os profetas, meninos portando escadas (representando os ensinamentos que levariam à subida aos céus). Vesti-me de profeta poucas vezes.
A imagem de Cristo, de madeira, tem os braços articulados e móveis, que permitem-lhe ser retirada da cruz.
Essa procissão é tocante e inesquecível.
Durante a procissão, a Banda de Música da Polícia Militar executa dobrado fúnebre, composto por um diamantinense especialmente para o dia, enquanto a guarda romana, que ladeia o corpo de Cristo, acompanha o ritmo do dobrado batendo com a lança ao chão. Dobrado e dor pungentes.
A guarda romana, com 100 ou mais integrantes, veste-se a caráter: saiote, sandálias trançadas na perna, escudo, capa, capacete e lança. Entre as duas fileiras dos guardas, vai o comandante, com roupa e capacete mais vistosos, que dança e gira a olhar desafiador para a imagem de Maria, como que a perguntá-la: “é esse o seu filho?” “é esse o que se dizia Filho de Deus?” “é esse o que prometeu salvação e fez milagres?”. A imagem de Maria, a mesma da procissão do encontro, apenas olha para o alto, com as mãos estendidas.
As celebrações ainda acontecem na cidade, da forma como sempre foram, mantendo a tradição e a religiosidade.
Feriado
As cerimônias da celebração da Paixão de Cristo mantêm-se em igrejas e cidades. Mas os tempos modernos acabaram com o simbolismo da lembrança da Paixão e da morte de Cristo.
Não mais se fala em Semana Santa: diz-se apenas “feriado”, como se fosse um feriado comum, de Tiradentes ou da Proclamação da República. Só se pensa em viagens e passeios. A pergunta comum é “o que você fará no feriado”? Cristo, que fez o sacrifício por nós, deixou de ser lembrado.
As rádios, que antigamente tocavam apenas música clássica na Sexta-Feira Santa, hoje tocam axé, funk e samba. Minha avó dizia que a Sexta-Feira Santa era o único dia do ano que o trem de ferro saía da estação sem apitar.
Falta religiosidade. Falta respeito no mundo, porque foi-se perdendo até mesmo o respeito pelo maior ser humano que viveu na Terra; o que mudou o calendário, as crenças, a fé, a visão de Deus e a vida no Ocidente; que é o Caminho, a Verdade e a Vida.
Cláudio Duarte.
Colunista e colaborador do Portal iMulher.