Por Eneida Guasque
Meu doce amor. No dia em que você se foi, tudo o que vivemos juntos passou em minha cabeça como um filme.
Desde o dia em que nos conhecemos. Eu cheguei de ônibus numa cidadezinha do interior de São Paulo. O coletivo era conhecido como o “Cata Caipira”, em razão das inúmeras paradas da capital até lá.
Eu era a última passageira, pois fui até o ponto final. Enquanto o motorista retirava minha mochila do bagageiro, notei que estava sendo observada por um rapaz que tomava um refrigerante numa mesa na porta do boteco da cidade. Segui meu caminho, pois eu ainda deveria andar mais de um quilometro além da Vila, pela estrada de terra. Conforme eu caminhava, escutava que alguém me seguia. Fiquei apreensiva, porque teria que passar por lugares muito ermos. Pensei com meus botões: “Se andar devagar serei ultrapassada e fico mais tranquila.” Mas, a pessoa também diminui o passo. Andei bem rápido para escapar, mas ouvi os passos rápidos bem próximos a mim. Segui em frente, entrei com grande alívio na casa da minha ex-sogra, onde fui passar o feriado. Minha surpresa foi muito grande quando a pessoa que me seguia entrou também. Então vi o rapaz que estava na Vila.
Minha sogra muito feliz com a minha chegada logo me apresentou: “Esse é Jebert, meu sobrinho de Santa Catarina.” Filho da irmã do meu ex-sogro. Nossa empatia foi instantânea. Tornamo-nos grandes amigos.
Eu já havia mudado de São Paulo para Curitiba com minhas filhas, mas ainda prestava alguns serviços de cenografia que me faziam voltar com frequência. Chegou o feriado de Páscoa, os trabalhos foram interrompidos e resolvi visitar minha querida sogra.
Coisas do destino.
Conheci meu grande amor, primo do meu ex-marido.
Como morávamos em estados diferentes, nosso namoro começou vagarosamente e escondido, porque além de eu ser mais velha, sua mãe não me aceitava nem como amiga do filho.
Participávamos de um grupo de estudos em Curitiba e nos encontrávamos uma vez por mês. A ansiedade era muito grande para chegar o novo encontro.
As coisas eram complicadas e chegou uma hora em que resolvemos dar um tempo. Soube através de um amigo em comum que ele havia enveredado pelo caminho das drogas.
Minhas filhas já trabalhavam e tinham seus namorados, estavam se emancipando. Fiz uma mala e vim para Santa Catarina.
Logo em seguida, sua mãe veio a falecer e nos unimos definitivamente.
O mais surpreendente foi que a pessoa que me convenceu a assumir esse relacionamento foi a minha ex-sogra, que estava presente para cuidar da cunhada em seus últimos dias. Ela me disse com todas as letras: “Tá na cara que vocês se amam profundamente, está na hora de encarar”. Foi comigo no meu apartamento e trouxe toda a minha mudança para a casa do Jebert.
Vivemos uma bela vida. Fazíamos tudo juntos, até compras de supermercado.
Naturalmente, nem tudo era um conto de fadas, a o caminho de volta das drogas foi bastante trabalhoso e durou alguns anos.
E você sempre me dizia: “Eu não sou assim, só estou assim.”
Mas, nosso amor sempre foi soberano. Andávamos sempre de mãos dadas, até de bicicleta. Viajávamos muito, férias, feriados ou fins de semana.
Não tem um camping, pousadinha de praia distante, trilha ou morro do litoral de Santa Catarina que eu não conheça. Seu espírito aventureiro não deixava nada para traz. Fomos ampliando esse leque para o Paraná, Rio Grande do Sul e até o Uruguai.
Declarávamos nosso amor com frequência e tínhamos um pacto de sinceridade. Passeávamos muito e jantávamos fora com frequência.
Sempre me trazia flores e bombons que comia quase tudo, deixando um ou outro para mim.
Quando conheceu minha família ficou encantado. Pois, como filho único que não tinha mais os pais, achou o máximo ganhar filhas, primos, sobrinhos, tios, avós e crianças pequenas, tudo ao mesmo tempo. Com sua enorme simpatia e jocosidade, conquistou a todos de imediato. Isso me fez muito feliz. Mudamos para um sítio para viver uma vida mais pacata.
Construímos a casa dos nossos sonhos, plantávamos e adquirimos vários animais. Passamos a ter uma vida mais rural.
Você se foi durante a Copa de 2014, assistindo um jogo pela televisão. Numa parada cardíaca seguida de morte cerebral.
Faltavam alguns meses para nossas Bodas de Prata.
Foi do jeito que sempre quis. Dizia: “Quero morrer jovem, ser um defunto bonito, não quero ficar doente e minhas cinzas serão jogadas no mar, não na praia, e sim, nas grandes ondas que costumo surfar.”
A maior dor que já senti foi receber uma linda sacola com uma linda urna contendo tudo o que restou do corpo físico do meu grande amor. Saí carregando aquela sacola e pensando no que realmente tem valor nessa vida.
Lá fui eu, num dia muito frio, de calças arregaçadas, levar as cinzas no Costão de Bombas….e as ondas estavam especialmente grandes.
Foi velado na Câmara de Vereadores com Honras Parlamentares, pelos seus 31 anos de serviços prestados como funcionário do legislativo municipal.
Antes de fechar o caixão, me perguntaram se eu queria dizer algumas palavras, e eu disse: “Ainda bem que você se foi antes de mim, para não sentir essa imensa dor da separação que estou sentindo agora.”
Naquele dia minha amiga me falou: “Você não tem o direito de lamentar, é uma das raras pessoas que pode dizer que viveu um grande amor.”
Lembro que com frequência você pegava o braço pela pele e dizia: “Eu não sou esse corpo aqui. Eu sou o espírito que habita esse corpo”
Sendo assim, acredito firmemente que você continua vivo, só mudou para o andar de cima.
Percebi nitidamente, nas Constelações Familiares, que você continua o mesmo brincalhão, alegre e feliz. Com seu enorme coração.
Sou profundamente grata por termos trilhado este caminho, juntos.
Você foi grande amor de todas as minhas vidas.
Eu te amo e sempre amarei.
Eneida Guasque é artista plástica.