A gritaria de galinha veio do curral.
– Menino, vai ver se é gavião pegando pinto!
Cheguei na porta da sala a tempo de ver a galinha sair mancando debaixo da vaca.
– Mãe, a vaca pisou na galinha de pintinho! A galinha deu bobeira no curral e a vaca pisou na sua canela. Não esfarelou tudo porque tinha esterco bem fofo.
– Vai procurar erva-de-santa-maria pra mim, a mãe falou.
– A mode quê, mãe?
– Vou ver se conserto a perna da galinha.
– A senhora vai benzê ela, igual o João Cruz faz com os raminho dele?
– Deixa de perguntação, vai caçar a erva.
Aquele ramo era praga de porta de cozinha. Voltei com uma braçada.
– Não precisava disso tudo, menino!
– Uai, a senhora não falou o tanto!
– Vai lá na máquina de costura e pega um retalho.
– Tá aqui!
– Arranca um punhado de folhas, põe dentro e amassa com a colher de ferro.
Arranquei, embrulhei, amassei e mostrei…
– Acho que tá pouco; amassa mais. Agora põe duas colheres de água no coité e deixa o paninho de molho.
Nestas alturas, minha mãe já tinha amarrado umas lasquinhas de bambu na perna da galinha. Paninho com erva no coité e a água ficou verdinha.
– Agora pega uma colher pequena e me ajuda aqui.
Ela abriu o bico da galinha e eu ia pondo a água na goela dela. Bebeu tudo, a mãe soltou e ela saiu manquitolando. Passados uns dias…
– Mãe, a galinha tirou o bambu!
– Ela tá mancando?
– Tá não!
– Então deixa pra lá!
Quando minha mãe matou a galinha, ela mostrou a perna quebrada. O osso tinha só uma trinca verde.
Passei a vigiar galinha de pinto no meio das vacas. Parece que elas aprenderam a lição e não davam mais bobeira…
Resolvi arranjar uma vítima por minha conta. Preparei o suco da erva, arrumei as lasquinhas e o cordão. Escolhi um pinto maiorzinho que era pra não demorar muito até matar.
Quebrei a perna dele devagarzinho. O bichinho gritou tanto que eu quase chorei de dó.
Pensei sozinho “é pro bem da ciência”…
Enfaixei com as lasquinhas bem amarradas e dei um jeito de fazer ele beber o suco de erva-de-santa-maria.
Marquei bem o franguinho e quando ele foi pra panela, falei que queria os dois pés (não lembrava qual a perna remendada).
O osso quebrado verdinho, verdinho na trinca. Tinha dado certo…
Não contei pra ninguém, guardei nos meus arquivos…
Alguém precisando remendo deste tipo??? Eu tenho experiência, viu?!!!
SALVIANO, José de Souza.
Capitão Veterano do Exército, Bacharel em Letras pela PUC/MG, cronista e colaborador do Portal iMulher.
Com muito carinho e motivado por belas lembranças, José Salviano escreveu esta crônica em homenagem à senhora sua mãe, D. Francisca, que faleceu aos 98 anos e completaria 100 anos no dia 29 de janeiro de 2024.
3 Comentários
Quando era eu furando a parede com parafuso “em nome da arte” era interpretado de forma bem diferente…
😂
Gosto muito das histórias deste Cronista . Temos muito em comum….. muitos fatos que vão se tornando bons textos.
As crônicas do Capitão Salviano me fazem rir e me fazem chorar. Rir das peraltices das crianças de nosso tempo. Quanta inocência!!!! E chorar de saudades dos bons tempos de minha infância.