Vivi a infância e a adolescência em Diamantina. Fui feliz.
Meninos e meninas brincavam à vontade e andavam à noite pelas ruas da cidade a conversar amigavelmente. Jogávamos vôlei na rua, com corda servindo de rede. Não havia maldades, não havia drogas. Havia respeito e amizade entre todos.
Cresci ouvindo as músicas melodiosas e tristonhas de serestas. Eu apreciava o romantismo das músicas de serestas e o desempenho dos músicos e dos cantores. Todavia, irrequieta e agitada eu sentia falta de estilo de música que combinasse com minha maneira de ser. Descobri esse estilo nos Beatles.
A música dos Beatles entrou em meu sangue e nunca mais saiu. O toque e o ritmo me contagiaram e eu me tornei beatlemaníaca.
Minha turma de amigos adolescentes, entre 12 e 14 anos, se reunia para falar dos Beatles. Sonhávamos sonhos mirabolantes e extravagantes. Ficaríamos milionários e contrataríamos os Beatles como engraxates. Como mordomos. Como porteiros. Como despertadores, pra nos acordar cantando.
A vida da turma era falar sobre os Beatles. Ir para a Inglaterra, assistir a shows deles e conhecê-los era o mais simples dos sonhos.
Minha casa não tinha TV, e só ouvíamos os Beatles pelo rádio. O rádio chiava, o som ia e voltava e minhas irmãs e eu sacudíamos o rádio para recuperar o som e o volume.
Um programa da rádio tocava as músicas preferidas do dia e que fizeram o maior sucesso. Só dava Beatles. Eu pulava de alegria quando anunciava uma música deles.
Meu pai não tinha condições de comprar discos dos Beatles. Eu ia pra casa de minha amiga Tânia Souto, que tinha os discos, e nós ouvíamos os Beatles repetidas vezes. Cantávamos juntas. Ríamos. Dançávamos. Chorávamos. Ouvindo rádio e os discos, agíamos como as fãs agem em shows ao vivo.
Foi uma doença. Sem dores e sem sequelas, mas foi uma doença gostosa de viver.
Eu copiava as letras das músicas para poder cantá-las. Sem entender inglês, eu copiava as letras da forma como ouvia: “Leribi”, “Arra deis naite”, Iesterdei”. As letras eram minha bíblia.
Ao ir para a escola, eu passava na padaria de seu Zeca, que ficava no caminho, pra comprar pirulito da Kibon. Depois de saborear o doce, escrevia no palito de madeira o nome de Paul, John, George e Ringo e os colecionava. Cheguei a ter mais de 500 palitos com o nome deles. Faz pouco tempo joguei-os fora.
Quando meu pai pôde comprar televisão, a expectativa era pra ver os Beatles na minha casa.
Comecei a trabalhar e comprei minha primeira calça Lee. Enfim, pude seguir a moda e comprar roupas com referências aos Beatles ou que lembrasse eles.
Cresci e amadureci. Casei. Tive filhos. Os Beatles não saíram de meu sangue. Adquiri todos os discos de vinil dos Beatles.
Fui a Liverpool. Visitei a Cavern Club, onde eles começaram a carreira. Subi ao palco onde eles cantaram. Comprei todos os souvenirs que pude comprar. Minha filha me presenteou com a caixa box com todos os CDs dos Beatles.
Fui a todos os shows do Paul MacCartney no Brasil. Deixei as filhas com o marido e fui ao Rio assistir ao primeiro show dele no Brasil. De penetra, consegui lugar na tribuna de honra do Maracanã. Depois, fui a Curitiba com minha irmã Sônia para outro show. Agora, assisti ao Paul em Belo Horizonte no dia 3 de dezembro.

No dia seguinte ao show, dia 4, eu e a Tânia Souto (amiga de sempre, em cuja casa eu ia ouvir os discos dos Beatles, com quem cultivo a amizade e a beatlemania) fomos para o saguão do hotel em que Paul estava hospedado. Avisadas de que ele não dá autógrafos e nem tira fotos, ainda assim permanecemos no saguão esperando ele aparecer.
Depois de uma espera de quase 5 horas, Paul aparece. Passou ao meu lado. E me olhou com os belos olhos azuis. E disse “Hi”. E eu toquei em seu braço. Fiquei deslumbrada; Tânia teve taquicardia e passou mal, recuperando-se logo.

Bobeira? Infantilidade? Desperdício de tempo? Não para aquela adolescente de 12 anos de Diamantina que sonhava ver o Paul de perto e tocar-lhe o braço. O sonho da adolescente se realizou na maturidade.
O sonho se manteve durante a minha vida. Assim como o espírito alegre de adolescente. A música dos Beatles permaneceu em meu sangue.
A adolescência não foi sufocada em mim pelas dificuldades que vivi, de modo que vivo momentos simples com sentimentos de puro êxtase, de alto astral e imensa alegria.
Simples e sem sonhos ambiciosos ou mirabolantes, fico feliz por pouco. Viver esses momentos e curti-los fazem valer a pena viver.
Margareth Tângari.
Beatlemaníaca assumida.
3 Comentários
Parabéns pela autenticidade e cumprimentos pela bela exposição. Ouvi muito os Beatles na minha juventude não fiquei porém fã como você, apenas admirador. Aprecio mais o romantismo da música francesa, fã de Charles Aznavour…
E assim vamos tocando a vida…
👏👏👏Adorei!! Tb sou rockeira mas sou mais fã das bandas Queen, Pink Floyd, Genesis…..e por aí vai kkkkkk
Li do início ao fim, fiquei maravilhada com tanto amor envolvido. Fã e que fã viu, podemos nos envolver com facilidade nestá história rica de sentimentos. Consegui enxergar cada momento vivido, pq recentemente vc me relatou exatamente o que descreveu aqui, vi o brilho em seus olhos e em cada palavra sua alegria. Fiquei feliz pela realização do seu sonho!
leribiiiiiii ou “Let it be”,