Por Mariana Bainy de Albuquerque
Clube de Leitura D’Elas
“A estória é envolvente, poderosa, de força, de coragem, de verdadeiras marcas humanas, e, por isso, eu a considero inspiradora.”
Tenho lembranças, desde a tenra idade, de minha mãe lendo estórias para eu dormir, impressa pela forma como devorava livros de letras miúdas e sem ilustrações. Atribuo a ela meu amor pela literatura, que despertou tardiamente, durante a graduação em Direito, quando vivi um sentimento de arrependimento por não ter lido mais os clássicos propostos no Ensino Médio e busquei vencer o maior número de romances possíveis, numa corrida contra o tempo.
Cresci ouvindo que Philip Roth (1933-2018) era um dos melhores contadores de histórias contemporâneo. Após um hiato na leitura, devido ao nascimento dos meus dois filhos, o interesse pela literatura romanceada retornou. Na mesma época, iniciei um processo de busca pelo autoconhecimento através da psicanálise e em seguida recebi o convite para integrar um grupo de leitura. Oportunidade única e valiosa.
Indicação para o grupo
Logo de início, a exigência de indicar uma obra. Vieram muitas icônicas à mente, mas simpatizei com a ideia do novo, da experiência coletiva. Na tentativa de acertar, Philip Roth me parecia marcante, universal e de fácil aceitação.
Junto a isso, a garantia de uma abordagem profunda e emblemática das problemáticas cotidianas. Texto que certamente ensejaria debate enriquecedor do campo da análise e da psicanálise dos personagens.
Se a indicação da obra viesse retratada pelo cinema moderno, com elenco de tirar o fôlego, seria então prato cheio a ser degustado pelo grupo.
E assim surgiu a indicação.
Enredo e personagens
O consagrado romance A Marca Humana, publicado em 2000, encerra a Trilogia Americana de Philip Roth, retratando o contexto social da América no pós-guerra do Vietnã, com uma escrita elegante e sofisticada.
A obra inicialmente narrada pelo protagonista Nathan Zuckerman em primeira pessoa, apresenta um clima provocativo e de suspense ao leitor, desenrolando-se de uma forma brilhante, com desfecho envolvente e coerente sobre a complexidade da natureza e da alma humana. Zuckerman aparece em nove romances de Roth e sua presença funciona como uma espécie de alter ego do autor.
O protagonista Coleman, judeu, decano, respeitado professor de Letras Clássicas em conceituada universidade americana, tem sua carreira e reputação destruídas após a acusação de racismo, guardando um grande segredo com relação a sua identidade, cuja revelação gera questionamentos profundos sobre a sociedade atual.
Crítica social
O paralelo traçado entre a ficção e recentes fatos históricos ocorridos nos Estados Unidos, característica marcante do escritor, acrescenta ainda mais veracidade à narrativa, com frases impactantes, discursos provocativos e inevitável crítica social.
A obra se torna marcante, a meu ver, por abordar temas atuais e relevantes, trazendo à tona questões sobre raça, hipocrisia social, vulnerabilidade, preconceitos de várias ordens, traumas, violência e abandono.
Todos os personagens são complexos, bem construídos, apresentados com riqueza de personalidade, com exploração da consciência e inconsciência, que transportam uma carga emocional densa e conflituosa, o que gera profunda emoção no leitor.
A estória é envolvente, poderosa, de força, de coragem, de verdadeiras marcas humanas, e, por isso eu a considero inspiradora.
Por fim…
A Marca Humana é, sobretudo, uma obra literária que aborda a injustiça social e humana, trazendo, na minha concepção, a marca do próprio habilidoso escritor, que faleceu no marco dos seus oitenta e cinco anos, sem ter recebido o merecido e sonhado Prêmio Nobel de Literatura.
Mariana Bainy de Albuquerque, 43 anos, Assessora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e associada do Clube de Leitura D’Elas.
Sobre o autor
Em 1997, Philip Roth ganhou o prêmio Pulitzer por Pastoral americana. Em 1998, recebeu a National Medal of Arts na Casa Branca e, em 2002, conquistou a mais alta distinção da American Academy of Arts and Letters, a Gold Medal in Fiction. Recebeu duas vezes o National Book Award e o National Book Critics Circle Award, e três vezes o prêmio PEN/Faulkner. Complô contra a América foi premiado pela Society of American Historians em 2005. Roth recebeu dois prestigiosos prêmios da PEN: o PEN/Nabokov (2006) e o PEN/Saul Bellow (2007). E, em 2011, ganhou o Man Booker International Prize. É o único escritor americano vivo a ter sua obra publicada em edição completa pela Library of America.
A MARCA HUMANA [ Philip Roth ]
Editora : Companhia das Letras
Publicação : 1ª edição (30 outubro 2002)
Idioma : Português
Capa comum : 456 páginas
Tradução : Paulo Henriques Britto
The Human Stain Official Trailer (2003)
1 comentário
Lindo o depoimento desse texto, que faz refletir sobre o porquê lemos, como escolhemos nossas leituras e o impacto nas nossas vidas. E a obra foi bem indicada e bem pontuada, no que pode incentivar que se leia! Parabéns!