Hoje é sexta, dia de Dica Cultural by Simone Hillbrecht. Confira a sugestão da nossa editora!
‘A máquina de fazer espanhóis’
Por Valter Hugo Mãe
Li este livro lá atrás, em 2018, por sugestão de uma amiga (e não porque Saramago derramou-se em elogios ao autor) e nada do que eu diga fará jus ao que é a obra em si.
‘A máquina de fazer espanhóis’ conta a história de António Jorge da Silva, barbeiro, 84 anos, que vê seu mundo desabar após a morte da esposa, sua parceira há quase cinquenta anos, em um hospital.
Não bastasse precisar se adaptar a uma nova realidade, acaba mandado pela filha ao lar Feliz Idade, para idosos, onde passa a refletir sobre a sua vida e seu passado. Lidar com memórias e alguns arrependimentos se mostra um processo bastante doloroso.
O livro também retrata uma parte importante da história de Portugal. Ele fala daquelas pessoas que lutaram contra a ditadura salazarista e, principalmente, daquelas que se omitiram para buscar a própria sobrevivência nos tempos de crise.
Embora a leitura seja fluida, confesso que tenho certa dificuldade com a forma de escrita do autor, a la Saramago, que não adota a pontuação normativa. Considero uma complicação textual desnecessária, mas a gente se adapta ao longo do livro. Na verdade, uma das narrativas mais sensíveis e emotivas com que me deparei nos últimos anos.
“A máquina de fazer espanhóis” é um livro profundo, para ser lido de coração aberto. Fala de forma poética, mas realista (e com um fino senso de humor) sobre a velhice, sobre perdas e sobre a morte, sobre a finitude da vida. Acima de tudo, fala sobre o amor, sobre perdão e redenção.
“com a morte, também o amor devia acabar. ato contínuo, o nosso coração devia esvaziar-se de qualquer sentimento que até ali nutrira pela pessoa que deixou de existir. pensamos, existe ainda, está dentro de nós, ilusão que criamos para que se torne todavia mais humilhante a perda e para que nos abata de uma vez por todas com piedade. e não é compreensível que assim aconteça. com a morte, tudo o que respeita a quem morreu devia ser erradicado, para que aos vivos o fardo não se torne desumano. esse é o limite, a desumanidade de se perder quem não se pode perder. foi como se me dissessem, senhor silva, vamos levar-lhe os braços e as pernas, vamos levar-lhe os olhos e perderá a voz, talvez lhe deixemos os pulmões, mas teremos de levar o coração, e lamentamos muito, mas não lhe será permitida qualquer felicidade de agora em diante. caí sobre a cama e julguei que fui caindo por horas, rostos e mais rostos colocando-se diante de mim, e eu por ali abaixo, caindo, sem saber de nada. quando, por fim, me levantei, estava a anos-luz do homem que reconheceria, e aprender a sobreviver aos dias foi como aceitar morrer devagar, violentamente devagar, à revelia de tudo quanto me pareceria menos cruel. e a natureza, se do meu coração não se esvaziou o amor pela laura, estaria numa aniquilação imediata para mim também, poupando-me à miséria de o sol que arde sem respeito por qualquer tragédia.”
FICHA TÉCNICA
Editora: Biblioteca Azul
Título: a máquina de fazer espanhóis
Autor: Mãe, Valter Hugo
Nº de páginas: 264
Edição: 1
Publicação: 03/08/2016
Idioma: Português
Compre AQUI!
2 Comentários
Vou ler…me sensibilizei pelo seu texto…parabéns!
Si, gostei do enredo. Nunca li esse autor, mas já ouvi falar muito bem dele. Vou anotar sua dica