Ao completar 71 anos realizei mais um sonho: fazer o Caminho de São Tiago.
Objetivo: testar a capacidade física, além de curtir uma natureza diferente durante os milhares de passos que daria para cobrir os 270 Km a que me propus a caminhar.
Duas coisas simples, mas inusitadas, por onde andara me chamaram atenção na caminhada. A primeira coisa foram sacolas plásticas com maçãs ou peras, ambas abundantes na região da Galícia, penduradas em árvores ou cercas ao longo da rota, à disposição dos peregrinos, segundo fui informado. A segunda, nos intermináveis vinhedos entre Cacabelos e Valcarce, observei e estranhei uma faixa de pés de uvas margeando a estrada carregados de frutos e o restante da vinha já podado, (era novembro e já nevava bastante). Soube que eram reservadas para os peregrinos, sendo livre o consumo.
Bela forma de ajudar o caminhante e, sobretudo, demonstração de desprendimento ao dividir com estranhos o que se plantou e cultivou.
Deixemos a Galícia e voltemos ao Brasil.
Desde que aprendi a caminhar, descobri que aquilo que quero chega mais rápido a mim quando eu mesmo busco do que quando peço a alguém que o traga até mim.
Não tenho preguiça de caminhar e o faço sempre que posso e for viável.
Moro em um Condomínio, plano e muito arborizado, com espécies frutíferas.
Promovo para os netos, (nove, sete e dois anos) diariamente um tour matinal com o objetivo de exercitá-los e de ensinar-lhes alguma coisa sobre a Natureza. Os três já têm na cabeça um mapa de todas as árvores frutíferas do condomínio.

Alguns moradores promoveram a jardinagem de suas casas com açaí, araçá, pinha, amora, rambutã, taperebá, jabuticaba e outras. Todas estas espécies estão presentes também nas áreas comuns e com livre acesso a todos os condôminos.
O que está na área comum é de todos e se pode pegar, mas não o que está nos jardins, foi a lição que ensinei aos netos.

Ensinei-lhes também uma técnica: parar defronte ao jardim quando o dono estiver por ali e elogiar a beleza da árvore e como os frutos devem ser deliciosos. Coerente com o belo artigo https://portalimulher.com.br/o-poder-de-um-elogio/, da Simone Hillbrecht. A técnica dificilmente falha e normalmente os netos recebem autorização para colher e comer.
Uma moradora, que provavelmente teve o cordão umbilical enterrado no quintal ou na horta da casa de seus pais, fez do canteiro central e frontal a sua casa uma horta e pomar particulares (na mentalidade dela). O detalhe é que os canteiros estão na área comum do condomínio.
Uma goiabeira dali frutificou nesta temporada e eu vigiava as goiabas. Dia desses, bem cedo, os netos descobriram goiabinhas maduras nos galhos mais altos. O vovô baixou os ramos e eles tiveram o prazer de colher, higienizar (na fralda da própria camisa) e em seguida saborear as tenras frutinhas. Uma festa.
Vistoriamos os galhos. Maduras mesmo, só aquelas. Algumas verdoengas; amanhã ou depois estarão boas, avisei à garotada e seguimos em frente.
Dois dias depois quando nos dirigíamos às goiabas, lá estava um grupo de babás depenando a goiabeira para seus pupilos e nós passamos direto.
No final da semana, babás ausentes, enquanto colhíamos algumas goiabinhas maduras, ouvimos alto e em bom tom:
– Não pode pegar, não!
Fiz um 360° e dei de cara com a dona da horta escorada em uma vassoura (presumi que apenas varrendo a garagem e não armada em defesa da “propriedade” e nem para voar).
– Por que não pode pegar? – perguntei.
– Fui eu que plantei! – resposta imediata.
– Está na área comum é de todos – argumentei.
– Não interessa, eu plantei, é meu!
– Pode deixar, não vamos pegar mais, mas acho bom a senhora por vigia ou não vai ver nem a cor de goiaba daqui!
Continuei o tour, agora para as acerolas, tentando desviar a atenção das crianças e minimizar a decepção.
Um dia depois ao passarmos pelo local, a pequena de dois anos observou:
– Vovô, o pé de goiaba foi embora! Por quê?
Difícil explicar certas atitudes de adultos para crianças, não?
Apenas a educação calçada em exemplos propiciará no futuro sacolas de maçãs penduradas na cerca…
Peregrinos, todos somos nesta caminhada…
SALVIANO, J. Souza
Capitão Veterano do Exército, Bacharel em Letras pela PUC/MG. Vida realizada como profissional, como ser humano, como pai e avô, que dedica tempo a educar os netos com carinho e afeto.
5 Comentários
Da tua parte, já és um grande exemplo para teus netos. Parabéns pelo belo texto!
O povo brasileiro já foram melhores, mais amáveis, dispostos em ajudar, em doar mais de si amor ao próximo, mas hoje, ainda existe uma minoria que nos faz lembrar bons tempos.
É muito isto. Muitos se acham donos do mundo. Aqui em Salvador tem uma praça que algumas pessoas tentam plantar algumas fruteiras, mas tem uma senhora que as arranca todas. Não se sabe com que espírito faz isto. Pessoas assim, infelizmente existem e duram muito. Quem explica o homem Zé Mancambira? Quem põe em suas cabeças tais ideias? Quem as protegem? Não tem explicação.
Que belo texto…belo exemplo !
Convida a reflexão sobre tudo que se considera ” politicamente correto”.
Parabéns!
Olá eu gosto demais da fruta em foco. Goiaba.Bom texto. Há pessoas e pessoas ser humano, somos todos iguais porém interiormente diferentes. Eu vou sempre vaidade dessa planta wue nos dá esse fruto
execelente. 😋😋😁🙋🏽♀️