“Há uma voz que não usa palavras. Escute.”
Rumi
Todo mundo já acordou com o som de uma britadeira na obra do vizinho, cachorro latindo, telefone tocando; seja qual for o ruído, nosso cotidiano está permeado por barulhos. Faz parte da vida moderna. Outros tipos de ruídos podem falar ainda mais alto, como os teus próprios pensamentos. Às vezes, tudo o que queremos é um pouco de quietude, mas se os sons externos são difíceis de controlar, o que dizer dos barulhos que nos habitam internamente, mesmo quando nos encontramos no mais profundo silêncio?
Há momentos em que tanto falar quanto ouvir fazem mal e confesso que demorei para ter essa percepção. Sempre fui uma pessoa falante. Falava pelos cotovelos quando era criança. Lembro bem do meu avô materno me chamando de caturrita (tipo um periquito que emite sons elevados, bem comum aqui em Porto Alegre) porque eu não “calava a matraca” jamais! Na verdade, sempre vivi todos os meus sentimentos em voz alta, quaisquer que fossem, o riso ou a dor, algo que só a maturidade e muita estrada percorrida me ensinou a equilibrar.
Não que tenha me tornado uma mulher contida ou deixado de comentar com o motorista do aplicativo sobre o desempenho sofrível do meu time de futebol, mas evoluí bastante no que diz respeito a dispersar a minha energia desnecessariamente, como fazemos o tempo todo quando não direcionamos a nossa atenção, quando não pesamos o que vamos falar, quando não nos ouvimos. Mais do que nunca, aprecio (e necessito) os espaços em branco que ficam na ausência das palavras, quando nada é dito e posso ir ao encontro do momento presente, de mim mesma.
A prática da meditação foi sem dúvida um divisor de águas na compreensão de que ruídos fazem parte da vida e o grande aprendizado reside em filtrar o que atraímos, sejam sons, imagens, cheiros, cores ou a própria mente. Tudo isso nos afeta, tudo isso é “barulho”, todavia não costumamos estar atentos ao que não é sonoro e esquecemos que os ruídos internos também gritam, ainda que em silêncio. Adoecem de forma lenta e gradual. Afinal, tudo aquilo que não é metabolizado pela mente acaba impresso no corpo.
Quantos danos causamos a nós mesmos pelo simples fato de não sabermos segurar a fala? Às vezes, meio surtados na dinâmica do dia a dia, largamos uma única palavra mal colocada que pode ser catalisadora de problemas desnecessários. Porque a palavra pronunciada, jogada ao ar, não volta atrás. Da mesma forma, pensamentos destrutivos e venenosos que nos sabotam o tempo todo sem que nos demos conta. Nessas horas só o silêncio nos salva e exercitá-lo requer maestria.
Embora seja uma mulher urbana, adaptada a correria do cotidiano, sempre que possível fujo para o mato em busca de quietude. A natureza é uma grande aliada quando preciso estar só. Presto atenção em tudo: o som camuflado das árvores, das aves, os rios em movimento, tento ouvir o meu próprio barulho interior e desenvolver a habilidade de aquietar a mente. Quando me encontro neste silêncio posso ouvir diversos sons ao redor, mas o grande desafio, hoje, está em compreender o seu significado para além de simples vibrações sonoras.
Vô Lindo (sim, o nome dele era Lindomar), sei que ficarias orgulhoso!
E tu? Que sons te habitam quando estás em silêncio?
Ouça o texto em Podcast para se conectar ainda mais com a autora.
6 Comentários
Esse artigo me tocou profundamente. Me vi e me ouvi em vários trechos. Convivo com meu silêncio a muito tempo, e confesso, já não sei viver sem ele.
Simone, tudo que você escreve ( e também o que diz) consegue tocar lá no fundo do meu ser. Parabéns por mais esse texto maravilhoso.
Simone, adorei o artigo. Tudo que vc escreve me faz repensar muito no meu cotidiano. Palavras que tocam na hora certa. Parabéns, continue brilhando.👏👏👏
Simone, teu texto está maravilhoso. Aquietar a mente tem sido um desafio pra mim. Meus parabéns!
Simone
Seu texto é maravilhoso. Me lembra uma frase que de vez em quando ouço. “Você é dona daquilo que não fala” . Também eu me vi nas suas palavras. Ansiedade é um sentimento que te rouba o silêncio interno e você traduz em palavras aquilo que sente. São esses tempos. Ir para o mato ajuda .
Cláudio Duarte me enviou.
Obrigada. Adorei.
Amiga vc é excepcional,admiro muito você, texto maravilhoso!!! Sempre com palavras que fazem a diferença e ajudam a refletir. Obrigada !!
Sempre gostei muito de barulho. Atualmente, ainda gosto de barulho, mas aprendi a apreciar o som do silêncio. Sim, até o silêncio tem som, e é lindo. Parabéns pela coluna!!!