Por Cláudio Duarte
Não tomem essa crônica como cabotinismo, mesmo porque falo mais mal que bem de mim, mas como incentivo para fazer o bem.
Deitei-me muito mal no domingo.
No domingo à noite, um fato me despertou lembranças desagradáveis, que procuro manter armazenadas bem no fundo, encobertas por camadas de boas lembranças e a alegria de viver.
Ainda não evoluí suficientemente para perdoar com sinceridade. Uso o artifício de guardar as lembranças de fatos e de pessoas desagradáveis bem no fundo de minha alma e deixá-las quietas. Por vezes, ocorrências inesperadas revolvem as camadas protetoras da lembrança, e a mágoa brota com a força da erupção de vulcões ou de tsunamis. Fico azedo, pois ainda não perdoei o que me fizeram e, honestamente, não sei se adquirirei a capacidade de perdoar.
Alguns fatos na vida me aborrecem profundamente. Ingratidões, desonestidades, falsidades, falta de reconhecimento e grosserias, vindas de pessoas próximas e de quem julgo que não mereça, me talham o sangue. Nada faço esperando retorno de ninguém, mas receber em troca ingratidão e falta de reconhecimento me tira do sério.
O evento na noite de domingo que me destampou más lembranças trouxe-me à superfície justamente as “virtudes” da ingratidão e da falta de reconhecimento. Resultado: dormi mal, pesadelos, incômodos, agitação durante o sono.
A noite não foi suficiente para me fazer acordar de bom humor; acordei com os mesmos sentimentos de indignação e mau humor como se não tivesse dormido. Assemelho-me ao ex-presidente Itamar Franco, que guardava rancor no freezer, segundo dizem.
Acordei cedo na segunda-feira e iniciei a rotina da semana indo comprar pão. Caminhava taciturno e aborrecido rumo à padaria; imagine você indo trabalhar numa segunda-feira depois de feriado prolongado. Meu humor era bem pior.
Apesar de distante do mundo, fui abordado por uma senhora. Gordinha, uns 60 anos, óculos grossos, rosto redondo e simpática, ela me perguntou onde ficava a Rua Ametista.
Parei para pensar, pois as ruas do bairro têm nome de pedras: Rubi, Safira, Turmalina, Ametista. Eu me lembrava de que a Rua Ametista cruza com a rua por onde eu caminhava, mas não sabia com exatidão onde; tinha noção apenas da direção a seguir. Então, ofereci-me para ir caminhando com ela até acharmos a Rua Ametista.
E mais: disse a ela que eu ficaria lisonjeado se ela me desse o braço para caminhar a meu lado.
Ela sorriu e, satisfeita, encaixou seu braço ao meu e fomos caminhando. Sentiu-se à vontade para me confidenciar sua vida. Era viúva, morava longe, trabalhava de diarista e a patroa, que a contratou, havia viajado sem avisá-la. Ela decidiu procurar por outra patroa da Rua Ametista, onde já havia trabalhado, para ganhar algum dinheiro nem que fosse para pagar a passagem de volta para casa.

Eu passei da padaria onde compraria o pão e continuei andando com ela. A certa altura, ela sorriu e me disse que, se a vissem de braço dado comigo, amigas pensariam que ela havia arrumado um namorado. Até empertigou-se ligeiramente, saboreando a ideia.
Ao chegar à casa da Rua Ametista, a patroa também não estava; restava a ela voltar para casa. Tirei do bolso o dinheiro que tinha reservado para comprar pão e ofereci-o a ela. Inicialmente, ela recusou, mas depois aceitou-o.
Despedi-me dela com um abraço e voltei pra casa para pegar mais dinheiro.
Voltei leve e satisfeito; não era o mesmo cara mal humorado e birrento que tinha saído de casa.
Reafirmei comigo mesmo a convicção de que tristezas, depressão, revoltas e mágoas nos tomam a mente e o coração quando nos voltamos para nós mesmos e olhamos somente para o próprio umbigo.
Quando nos doamos e fazemos o bem para outra pessoa voltamos a atenção e os sentimentos para o próximo, o que faz desaparecer maus sentimentos. O ato de ver o outro e fazer alguma coisa pelo outro faz esquecer-se de si mesmo e dissipa mágoas e tristezas.
Fazer o Bem faz bem.
Cláudio Duarte.
Colunista e colaborador do Portal iMulher.
3 Comentários
Tenho enorme dificuldade para o tal perdão por um motivo: sou capaz de esquecer a ofensa, mas não tenho certeza que o ofensor não ofenderá outros.
Desejo a todos uma manhã tão promissora quanto essa relatada na crônica do Cláudio Duarte. Para isso sigamos o exemplo do autor, que me fez lembrar um ensinamento de minha saudosa mãe: ” faça o bem não importa a quem”.
Parabéns ao Cláudio Duarte e a revista que publicou sua crônica.
Desejo a todos uma manhã tão promissora quanto essa relatada na crônica do Cláudio Duarte. Para isso sigamos o exemplo do autor, que me fez lembrar um ensinamento de minha saudosa mãe: ” faça o bem não importa a quem”.
Parabéns ao Cláudio Duarte e a revista Mulher, que publicou sua crônica.