Por Simone Hillbrecht
Fique Comigo, da autora nigeriana Ayọ̀bámi Adébáyọ̀, conta a história de Yejide e Akin, um casal moderno que enfrenta dificuldades por não conseguir ter filhos. A pressão familiar leva Akin a aceitar uma segunda esposa, o que desencadeia um drama emocional profundo, especialmente para Yejide.
A escrita de Adébáyọ̀ é espetacular em seu livro de estreia. A obra apresenta diversos pontos interessantes: os protagonistas, um tanto “imperfeitos” e nem sempre agradáveis, conseguem capturar a atenção e a torcida do leitor até o final; os personagens secundários ajudam a compor o contexto social e cultural da Nigéria na década de 1980, algo novo para muitos leitores brasileiros.
O livro aborda temas delicados e passíveis de discussão, como a poligamia, a infertilidade e o papel dos filhos dentro do matrimônio. A autora trata de forma bastante realista a questão da poligamia, uma prática ainda presente em algumas culturas e frequentemente retratada de maneira estereotipada na ficção. É o drama de Yejide e Akin, cujo amor não é suficiente para resistir à pressão por filhos.
A decisão de Akin de tomar uma segunda esposa, à primeira vista uma traição, ganha novas camadas quando o leitor compreende a carga cultural e familiar que ele carrega como primogênito, investido da obrigação de garantir descendência e dar continuidade à linhagem.
A narrativa também dá voz à dor de Yejide, que, sofrendo o peso da infertilidade, vê seu casamento ser julgado como fracassado por aqueles ao seu redor. O romance levanta questões relevantes sobre o valor social atribuído à maternidade e questiona como o fardo da ausência de filhos recai quase sempre sobre a mulher.
Adébáyọ̀, ao retratar a dor emocional e os reflexos que advêm da pressão social, convida o leitor a refletir sobre o quanto ainda se associa a feminilidade à maternidade — e até que ponto o papel da mulher dentro de uma família tradicional continua condicionado ao fato de ter filhos.
O estigma e o ostracismo que Yejide enfrenta em Fique Comigo são uma realidade para muitas mulheres que não conseguem engravidar. A autora explora essa cobrança, principalmente familiar, que acaba sendo internalizada pela protagonista. Trata-se de uma realidade presente em muitas culturas, tanto ocidentais quanto orientais, ainda que em graus variados.
Tudo começa com o condicionamento de que, para uma vida bem-sucedida, é preciso estar casado até certa idade e ter filhos dentro de um determinado tempo. Precisamos repensar por que o casamento é acompanhado pelo som de um relógio e pela constante pergunta sobre quando virão os filhos.
Adébáyọ̀ mostra também como as narrativas ouvidas na infância moldam a forma como Yejide e Akin entendem seus papéis na vida adulta. As experiências que enfrentam obrigam-nos a redefinir esses papéis, a reescrever suas histórias, ajustando-as à dor, ao conflito e às escolhas que fizeram até ali.
Considerado uma excelente estreia literária, Fique Comigo combina escrita refinada com um retrato detalhado da cultura nigeriana, ao mesmo tempo em que trata de temas universais.
Mais do que um drama sobre maternidade, tradição e liberdade individual, é uma leitura tocante, que nos tira do lugar comum e convida a refletir sobre as expectativas que herdamos e o preço que pagamos por elas.
Um romance para quem aprecia histórias verdadeiramente humanas, com nuances de dor e beleza em igual medida.