Pelo Coronel Higino Veiga Macedo
Minha cidade Terenos
A “Grande” Terenos dos anos 1960, de três mil pessoas no máximo, festeja o seu padroeiro, Santo Antônio, no dia 13 de junho.
Lá pelos meus dez anos, no Dia do Padroeiro, apareceu em Terenos uma família, que hoje seria quilombola: a família de Seu Eliseu e Dona Maria, com três filhos: Ireno, Ramão e Manoel.
Nunca soube de onde os Eliseus vieram. Depois dos festejos, foram trabalhar numa olaria com os Bagarji, que ficava a dois km de minha casa.
Foi aí que, eu, menino de uns 12 anos, sem ter o que fazer nos finais de semana, ia para a olaria para peraltices com o Ireno, que tinha uns quinze anos e era “cortador de tijolo”, e o Ramão, da minha idade. Manoel, bem mais novo, tinha cinco ou seis.
Seu Eliseu
O Seu Elizeu era mestre de argila. Ele que dizia quando o barro estava pronto para ser “cortado em tijolos”. Era calmo, fala vagarosa, negro como índio: olho amendoado, cabelo liso e pele bem escura como jambo.
Analfabeto apenas nas letras. Sabia fazer contas simples de aritmética: contar os tijolos e saber quanto faturou.
Seu Eliseu era mais idoso que meus pais; mesmo assim, me dava atenção e ficávamos conversando na hora do almoço.
Ele disse uma vez a meus pais que eu era um “menino homem”: corpo de menino, mas conversa de homem. Muito me recomendou estudar, embora não fizesse a mesma recomendação para os filhos.
Um dia, conversando sobre família grande, trabalho difícil a não serem os trabalhos brutos de fazenda, da lavoura e os da própria olaria, ele me fez uma alerta:
– “Seu Higino, no mundo, do jeito que nasce tanta gente, as pessoas vão viver como formiga. Alguém manda e muitos, que não terão filhos, trabalharão até morrer”.
A partir daí comecei a observar as formigas. E também abelhas e cupins.

Busca por alimentos
Corte no tempo.
Pós adolescente, leio uma enxurrada de publicações na imprensa internacional. Surge o Clube de Roma, em 1968, que elabora o estudo conhecido como “LIMITES DO CRESCIMENTO”, tratado que aborda o crescimento populacional, o consumo de recursos e o impacto no meio ambiente.
Na meia idade, deparei-me com o livro: “Terra – Um Planeta Inabitável?”, de autoria de Hans Liebmann, que começa de forma assustadora: o planeta tem “A km²”, dos quais “B Km²” são oceanos; “C Km²”, desertos; “D Km2 são os polos Ártico e Antártico”, outros tantos de montanha e geleiras. Subtraindo esses valores, sobra pouco espaço onde o homem possa sobreviver e cultivar alimentos.
Liebmann alertou para o lixo e a poluição de fontes de água doce. No planeta Terra com 2/3 de água salgada, a maioria da fauna e da flora vive de água doce; um paradoxo.
A Terra gira, o tempo passa… e eu me vejo agora na idade de Seu Eliseu. Vejo no mundo os globalistas… os teóricos da conspiração…, a “ecologistocracia,” a “climaticocracia”, permitindo-me abusar de neologismo tão em voga.
Para produzir alimentos, o homem modificou geneticamente bovino, suíno, ave, milho, soja, arroz… A genética original é incapaz de produzir o necessário para o alimento humano. A Natureza passa a ser reconstruída – ou desconstruída, pois não se sabe ainda a consequência da modificação genética. Minha geração foi a cobaia para tudo isso. As gerações dos netos verão o resultado prático das mudanças.
O ser humano passou a, gradativamente, aumentar a crueldade com animais por meio de confinamentos violentos de bois, porcos e frangos para obter mais alimentos e de melhor qualidade. As galinhas têm duas posturas de ovos ao dia. As vacas não podem ficar mais de um mês sem estarem prenhes.
Os grãos foram domesticados para produzir três safras ao ano. Na minha infância, a natureza estabelecia os períodos dos vegetais: tinha a época da laranja, da manga… e tinha o mês de plantar milho, arroz, mandioca…
A Europa, os EUA, o Canadá e outros países já não suportam mais as migrações resultantes de fome, guerra civil, doenças endêmicas…
Aristóteles afirmou que “necessidade é algo imprescindível à vida”. Mas não diz a vida de quem, em qual lugar, em qual quantidade e para qual período da vida. Atrevo-me a dizer que a necessidade básica é o ALIMENTO.
A profecia de Seu Eliseu
É a busca do alimento para a sobrevivência que vejo em todos os animais, do micro ao macro. Pela manhã, desde o elefante ao beija-flor todos vão em busca desesperada de alimento. Os humanos, também, cedo vão à procura de alimento e trocam suas forças por algo que lhes permita alimentar-se. Se houver sobra, aplicam a sobra no conforto, no luxo e até na vadiagem e no ócio.
Parece haver excesso de gente “a alimentar”, incluindo aí os animais. Há crescente busca por áreas cultiváveis.
E o trabalho? Neste momento, a Inteligência Artificial – IA – chega como assombro e domina tudo… Muito mais empregos serão engolidos. Muitas pessoas nascerão sem a certeza de ter a primeira necessidade: o alimento.
Há informações que a China, com excesso de humanos, pode se dar ao luxo de criar soldados e trabalhadores humanoides.
Os aviões não precisam de pilotos na guerra; ônibus e táxis não mais têm motoristas em algumas cidades. Os pagamentos com cartões ou telefone celular “chipados” estão acabando com o dinheiro… Já não se tem mais nome, mas número: CPF.
Lembrei-me de Seu Eliseu. O que nos falta para sermos formigas? O que nos falta para sermos abelhas?
Talvez a minha geração não veja isso. Mas os netos dos meus netos correm o risco de serem formigas, como predisse o Seu Eliseu – profeta analfabeto da década dos sessentas do século passado.
O então Cadete Higino Veiga Macedo de 1968 da Academia Militar das Agulhas Negras.
5 Comentários
Excelente a abordagem, Higino. Ja passei bem dos 70 e nesse lapso de tempo preseciei muita mudanca e a cada dia surem novas. E realmente dificil imaginar o futuro das criancas de hoje.
Excelente a abordagem, Higino. Ja passei bem dos 70 e nesse lapso de tempo preseciei muita mudanca e a cada dia surem novas. E realmente dificil imaginar o futuro das criancas de hoje.
Excelente a abordagem, Higino. Ja passei bem dos 70 e nesse lapso de tempo preseciei muita mudanca e a cada dia surem novas. E realmente dificil imaginar o futuro das criancas de hoje.
Seu Eliseu é uma prova viva de que inteligência e sabedoria não têm nada a ver com conhecimento cultural. Vislumbrou lá atrás, mesmo vivendo uma realidade limitada pela pobreza, um mundo de recursos finitos, onde o ser humano, para sobreviver, teria que imitar o modus vivend das formigas e dos cupins. Parabéns ao Higino que, mesmo criança, soube captar e guardar a sabedoria contida nas palavras daquele humilde oleiro.
A substituição da mão de obra humana pela robótica gerará uma problema crônico na sociedade por busca de empregos e autossustento. A tecnologia hoje celebrada será a ruína de muitos jovens que não terão as oportunidades de uma vida digna.