Roubo, mentiras, trapaças e fraudes. Basta abrir um site de jornal, uma rede social ou mesmo conversar com amigos e desconhecidos que esses temas irão naturalmente aparecer. O que pode tornar uma sociedade mais virtuosa moralmente e mais próspera materialmente? Este tema é muito importante para economistas, que visam decifrar a complexa relação entre mercados e valores morais. O estudo desta relação entre moral e mercados nos ajuda a entender melhor como sociedades livres funcionam e como as suas economias prosperam.
Adam Smith, considerado o pai da economia moderna, observou que a propensão humana a fazer trocas e organizar mercados é praticamente única no reino animal e que mercados funcionam melhor quando os indivíduos perseguem os seus próprios interesses dentro de uma estrutura de comportamento moral. Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro e do mestre cervejeiro que obtemos nossas refeições. É do seu auto interesse, de suas buscas por lucro, explicou o pai da economia. Adicionalmente, na “Teoria dos Sentimentos Morais”, Adam Smith entendeu que por mais egoístas ou auto interessados que possamos ser, é da nossa natureza apreciar a felicidade dos outros, principalmente daqueles por quem desenvolvemos empatia.
Quem nunca expressou alguma forma de alegria ao ver crianças brincando ou ver um amigo contente por causa de algo que lhe fez bem? Adam Smith enfatizou que, embora as pessoas possam agir em seu próprio interesse, elas também estão naturalmente inclinadas a se preocupar com o bem-estar dos outros. Ele teorizou que temos dentro de nós um “observador imparcial”, que julga nossas próprias ações e que se preocupa com o que outras pessoas percebem de nossos atos, se são justos ou não. Desaprovação pelos outros liga o sinal de alerta do nosso observador imparcial interior e pode mudar o curso de nossas ações.
A interpretação moderna das ideias de Adam Smith sugere que, para que um mercado que funcione bem, os indivíduos que perseguem os seus próprios ganhos irão, através das suas ações, melhorar o bem-estar da sociedade. A busca por lucro num ambiente competitivo desencoraja danos a terceiros, pois manter uma boa e sólida reputação é crucial para o sucesso econômico de longo prazo. Portanto, uma conduta ética adequada é fundamental para uma economia de mercado.
Friedrich Hayek, prêmio Nobel em economia, também explorou a ligação entre moral e mercados. Acreditava que os mercados são ferramentas poderosas para organizar a sociedade porque permitem o surgimento de uma ordem espontânea, que é uma ordem que depende de ação descentralizada, voluntária e cooperativa na sociedade, sem a necessidade de planejamento central nem de coerção e violência, típicas de sociedades onde o governo controla a economia. Hayek argumentou que esta ordem depende fortemente de um conjunto compartilhado de valores morais. Para ele, o reconhecimento da propriedade privada como forma de organizar a sociedade é um reconhecimento do fato de que somente a proteção de um sistema que garanta liberdades individuais na forma de leis e morais é que uma sociedade pacífica e próspera pode ser alcançada. Para Hayek, o sucesso dos mercados depende de um quadro moral que respeite os direitos de propriedade e o Estado de Direito.
Esta abordagem de ordem espontânea enfatiza a importância do respeito às normas morais como parte do processo de mercado. Respeitar contratos, cumprir promessas e abster-se de práticas fraudulentas não são apenas imperativos morais, mas também práticas necessárias para que transações de mercado possam ocorrer. Onde prevalece a degradação moral, a confiança, que é um elemento essencial em transações de mercado, é erodida. Em ambientes onde a desonestidade e a corrupção prosperam, mercados deixam de funcionar.
Milton Friedman, outro Nobel em Economia, examinou mais detalhadamente como os mercados e a moral se relacionam. Ele argumentou que a liberdade econômica é uma condição necessária para a liberdade política e para bons valores morais. Friedman acreditava que um sistema de livre mercado, onde os indivíduos estão aptos a fazer as suas próprias escolhas, não só leva a uma maior eficiência econômica, mas também promove a responsabilidade individual e o desenvolvimento moral.
A importância da confiança e do comportamento ético foi um tema recorrente no seu trabalho. Para Milton Friedman, a cooperação voluntária e trocas em mercados livres dependem fortemente de uma base de respeito mútuo e conduta ética. Assim sendo, mercados dependem inerentemente de uma base de valores morais compartilhados. A confiança, a honestidade e o respeito a contratos criam um ambiente propício às trocas voluntárias de mercado, permitindo que os indivíduos pratiquem comércio sem o receio constante de trapaças ou fraudes. Sem tais fundamentos morais, os mercados entrariam em colapso, na medida em que os indivíduos gastariam mais recursos para se proteger de potenciais práticas ilícitas, em vez de gastá-los em atividades produtivas.
Outro notável defensor da relação entre ética e economia é o também Nobel em economia, o indiano Amartya Sen. Ele argumenta que os mercados funcionam bem quando os indivíduos dentro deles possuem e defendem valores morais. A aplicação desses valores não precisa vir apenas por meio de regulamentação externa, mas por meio de normas internalizadas, que orientam o comportamento das pessoas com muito mais rigor.
A visão de Sen enfatiza que a internalização moral em mercados não diz respeito apenas a obedecer às leis, mas sim de cultivar virtudes que promovam o bem estar social. Quando os indivíduos em um mercado operam sob normas éticas compartilhadas, isso melhora a cooperação, reduz os custos de transação e promove a inovação. Este ambiente cria um círculo virtuoso: o comportamento ético aumenta a eficiência do mercado e os mercados eficientes recompensam o comportamento ético.
A relação simbiótica entre mercados e moral revela que a saúde econômica de uma sociedade e o seu tecido moral estão profundamente interligados. Os mercados podem de fato promover o comportamento moral, recompensando a confiança e a cooperação. Por outro lado, uma base moral sólida é vital para garantir que os mercados funcionem de forma eficaz e ética.
Ao observarmos os dilemas éticos nas práticas empresariais, na sua estrutura de governança e nas crescentes regulações de mercado, fica evidente que a promoção de bons valores morais juntamente com mercados eficientes não é apenas um imperativo econômico, mas também é uma necessidade social. Bons valores morais e mercados eficientes se reforçam e são as bases necessárias para a construção de uma sociedade livre, ética, próspera e inclusiva.
1 comentário
Excelente coluna, Professor Ronald. Fica para mim a questão das falhas de mercado, em que, mesmo cumprindo regras, as empresas geram externalidades negativas (como a poluição), ou fazem uso do seu poder de mercado, muitas vezes excessivamente concentrado, para lucrar de forma nada ética, explorando a inelasticidade de demandas e a margem de aceitação de preços, fazendo uso de informações até privilegiadas. Será que podemos falar em moral nas grandes empresas? Abraço!