Por Cláudio Duarte
O Portal iMulher comemora o Dia da Liberdade de Pensamento recorrendo ao Sermão XXVII, do Padre Antônio Vieira. Seus “Sermões” demonstram profundo conhecimento de História, Filosofia, Teologia, Mitologia e Lógica e são fontes inesgotáveis de conhecimento.
O Padre Vieira trata da escravidão no Sermão XXVII e o pregou para negros escravos no Dia de Nossa Senhora do Rosário, considerada a padroeira dos escravos do Brasil colonial. A Santa foi levada para a África pelos portugueses como forma de cristianizar os negros e já era cultuada lá.
Vieira exortou os negros à liberdade e a se libertarem do cativeiro em vida, mas não fez a exortação pelo incentivo à luta ou à revolta. O Padre Vieira mostrou que o homem, composto de corpo e alma, de matéria e espírito, de coração e mente somente poderia ser escravizado pela metade, a metade do corpo e da matéria. A outra metade – da mente e da alma – jamais pode ser escravizada. Assim, no Brasil não havia escravos, mas apenas “meio” escravos.

O domínio dos senhores sobre os escravos somente tinha força sobre o corpo deles e não se estendia a sua alma e nem a sua mente, que permaneciam livres.
Vieira lembrou que, entre os gregos e romanos, os escravos eram chamados “corpos”, porque o domínio do homem sobre outro homem só pode ser no corpo e nunca na sua alma e nem na sua mente.
Segundo Vieira, a única pessoa que pode aprisionar a mente de uma pessoa é ela própria, por sua livre vontade. Os senhores infligiam castigos terríveis aos escravos: cortavam-lhes dedos, arrancavam-lhes olhos e língua e açoitavam-nos, mas nunca puderam escravizar-lhes a mente e a alma.
O Padre Vieira lembrou bem que a liberdade do corpo se consegue por artifícios ou documentos. O escravo obtinha a alforria pagando o mesmo preço pelo qual fora comprado. Atualmente, o homem consegue a liberdade por meios legais, tais como o habeas corpus e a fiança; consegue a liberdade para viajar para outro país por meio do passaporte. Porém, não existem meios físicos e nem escrituras para assegurar a liberdade de pensamento.
Isto porque cada pessoa tem a sua própria escritura de liberdade, que não pode ser cassada e nem tomada por juiz, autoridade ou ministro.
Hoje, não mais existem senhores feudais escravagistas e nem senhores mercadores de escravos no Brasil. Mas existem juízes, ministros e autoridades detentores de poder que querem aprisionar o povo e submetê-lo a sua vontade imperial e aos preceitos do regime que deseja implantar no país.
A descrição dos senhores feudais de antigamente, feita pelo Padre Vieira, se assemelha muito à dos pretensos senhores feudais de hoje, travestidos de juízes, ministros e governantes.
Vieira diz que “os senhores rompiam galas, banqueteavam, nadavam em ouro e prata, tratavam as pessoas como animais ou idiotas, punham-se em pé, como estátua de soberba e tirania, apontando para o açoite”. Faltou dizer que os banquetes eram à base de lagostas…
Os tiranos, de ontem, de hoje e de sempre, são os mesmos e guardam as mesmas atitudes ainda que em épocas diferentes e ainda que, mesmo não estando em fazendas e engenhos, estejam hoje em castelos ou em palácios (que se diz de “justiça”).
Tanto uns como outros são tiranos.
“Se quiser saber quem controla você é só observar a quem você não pode criticar” (Voltaire).
Como o homem não pode ser escravizado completamente e apenas a metade de si pode sê-lo, de acordo com o que defendeu o Padre Vieira, é muito mais fácil que a parte livre (a mente e o espírito) lute para libertar o corpo que o corpo consiga escravizar a mente livre.
Quem tem a mente livre jamais se sujeitará à escravização.
Cláudio Duarte
Colunista e colaborador do PortaliMulher
1 comentário
Excelente texto Cláudio.