Expressões populares têm origem interessante na tradição e na língua popular.
Expressão “pôr a mão no fogo”
Significado da expressão
A expressão “pôr a mão no fogo” ou “botar a mão no fogo” significa ter confiança cega em alguém ou algo; acreditar completamente na sua inocência ou integridade, sem receio de estar enganado; é afirmar que se está totalmente convencido da inocência desse alguém, mesmo que outros tenham dúvidas.
Origem da expressão
“Ordálias”, conhecidas como “juízos de Deus” ou “provas de Deus”, eram uma espécie de prova judiciária antiga, utilizada em diversas culturas para determinar a culpa ou a inocência de uma pessoa. A prova se baseava na crença de que a Justiça Divina interviria e revelaria a verdade por meio de rituais que envolviam elementos físicos, como água ou fogo. Caso as provas físicas não causassem danos ao acusado, estava comprovada sua inocência em razão da proteção divina.

Documentos históricos mostram que Pérsia, Índia, Grécia, Roma e a Europa Medieval utilizaram essa prática, sendo que as mulheres e os homens nobres utilizavam a prova com fogo, e os servos utilizavam a água.
A prova do fogo não foi utilizada continuamente. Vários papas, dentre eles Inocêncio III, produziram bulas contra a ordália, e o rei inglês Henrique III (1207 – 1272) proibiu-a. No entanto, a Inquisição retomou o método da prova do fogo para comprovação da inocência do acusado.
Ao fazer a “prova do fogo”, o acusado tinha a mão envolvida em estopa selada com cera; era então obrigado a segurar um ferro incandescente e caminhar segurando o ferro por alguns metros. Três dias depois, abria-se a atadura. Se a mão estivesse ilesa, sem sinal de queimadura, o acusado tinha a inocência comprovada. Se a mão estivesse queimada, estava provada a sua culpa e a falta de proteção divina; o acusado era imediatamente enforcado.
A prova da água consistia em mergulhar o acusado em água. Se ele afundasse, seria considerado culpado; se emergisse, inocente. A morte era a prova da culpa do acusado.
A lenda (?) de Marina
O grande pesquisador da cultura brasileira Câmara Cascudo (1898-1986) cita o caso famoso de uma senhora portuguesa chamada Marina, “esposa de Estêvão Gontines”, que em 1324, acusada de adultério, conseguiu agarrar o ferro em brasa sem nada sofrer.
A lenda inspirou o escritor português Arnaldo Gama (1828 – 1869), autor de romances em ambiente histórico, a escrever o romance “O Balio de Leça”, publicado em 1872 após sua morte.
O romance, que contém lendas e fatos, conta que, no reinado de D. Dinis, o ferreiro Estêvão Gontines se queixou ao Balio Vasques Pimentel de que a sua mulher, Marina, cometia adultério com um frei do mosteiro de Leça, que acolhia os templários.

Marina negou a acusação e, para provar a inocência, propôs-se colocar as mãos no fogo. O próprio Gontines pôs o ferro no fogo e mostrou aos presentes que o ferro estava em brasa. Ele amarrou com panos as mãos da acusada no ferro em brasa. Retirados os panos, verificou-se que as mãos da mulher estavam limpas, sem ferimentos, sinal da sua inocência.
Essa lenda (ou facto) descrito por Arnaldo Gama está na base do dito popular: “Eu até punha as minhas mãos no fogo”.
Uso da expressão
A partir da lenda (?) de Marina ou talvez da Inquisição, a expressão se firmou com o sentido de que, quem se sentia inocente, se prontificava a colocar as mãos no fogo, porque confiava completamente que a intervenção divina não permitiria que o fogo o queimasse.
A ausência de culpa própria se estendeu à ausência de culpa alheia.
A expressão existe em castelhano – poner la mano en el fuego – com o mesmo sentido.