Coronel Higino Veiga Macedo
Nascido e criado em ambiente rural e estimulado por parentes, em particular meu avô, aprendi a prestar atenção no reino animal e em animais.
Aprendi a admirar a persistência das formigas, os cuidados das mães mamíferas para com os filhotes, os diferentes trinares de um mesmo pássaro estando ele em busca de parceiro ou em alarme por sentir-se ameaçado. Sim, há “falas” para cada situação. Aprende-se observando e ouvindo.
Na casa do meu avô tinha uma família de joão-de-barro, moradora antiga em seu quintal. Havia ninhos pelo “pé de tarumã”, na jaqueira, na goiabeira… era pra mais de seis casas.
O Google indica que o pássaro existe no Brasil e na Argentina e lá, desde 1928, é chamado “Ave de La Patria“.
No Brasil, conheço joão-de-barro na região Centro-Oeste, de onde sou, e o vi pelas bordas da Amazônia nos altos da Serra dos Parecis, quando morei em Vilhena, e nos Campos de Humaitá quando ali trabalhei.
Na Amazônia é chamado de “Amassa Barro”, mas o bicho é o mesmo. A “indiarada” do pantanal chama-o de “uiracuiar e uiracuité” (de origem tupi-guarani: Gwirá– “pássaro” e Ku’ya, – “cuia/abrigo”).
Penso que há pouco estudo do pássaro. Há lendas de que ele prende a fêmea e a deixa morrer no fornilho, caso haja traição. Tem até música caipira cantando isso. Porém, nunca vi nenhum deles fechado.
Música “João de Barro”, cantada pela dupla Tonico e Tinoco.
Vi moradores estranhos, periquitos e chupins que expulsavam os joões-de-barro de suas casas. Ocupavam as casas deles como sem-terra de asas.
Vi ossadas de filhotes nos ninhos de joões-de-barro. Vi cobra tentando comer os filhotes deles. Vi-os a fazer novo ninho todos os anos. Parece que não repetem muitas vezes a mesma morada. Notei também que são territorialistas e brigam, até a exaustão, pelo território.
Nas consultas de internet vê-se:
“Os índios aváguaranis assim explicam a origem do joão-de-barro: a jovem Kuairúi havia se enamorado de Tiantiá, valoroso guerreiro. Queriam casar, mas o cacique Tabáire, pai de Kuairúi, não permitiu, porque a despeito de sua bravura, Tiantiá não sabia construir uma cabana. Assim foram transformados em pássaros que ajudam um ao outro na construção do ninho [Bugall, Rubén Pérez. Mitos chiriguanos: el mundo de los Túnpa. Ediciones Del Sol, 2007, p. 75] – https://pt.wikipedia.org/wiki/Jo%C3%A3o-de-barro .
Consegui observar que os joões-de-barro são monogâmicos.
Observei que a maior cantoria deles se dá no reencontro pela manhã. À noite, dormem onde estão quando escurece e, ao amanhecer, saem à procura do(a) amado(a). Ao se encontrarem, fazem festa felizes pelo reencontro. Vida semelhante ao do bem-te-vi. Belo exemplo para a humanidade!
O que me levou à rápida pesquisa e à divulgação deste “relatório” da pesquisa foi o fato peculiar que, ainda adolescente, presenciei. Eu tentei ajudar um joão-de-barro na construção de seu ninho.
Vi um casal de joão-de-barro fazendo o ninho no quintal da casa de meu avô. Havia chovido por uns três dias, e eles voavam para longe; percebi que demoravam para voltar com o bico cheio de barro, já sovado.
Parêntese. Adulto, aprendi sobre materiais de construção: tipos de solo – argiloso e arenoso – umidade ótima, aglomerante, aglomerado…
Depois do segundo dia observando o trabalho do casal, resolvi ajudá-los. Debaixo da goiabeira, onde as aves faziam o ninho, cavei um buraco com enxadão, coloquei água e sovei o barro da terra do Centro-Oeste. Hoje sei classificar aquele barro: argila laterítica, avermelhada, com boa repelência a água depois de seca. Daria para fabricar tijolos, telhas, potes e outros utensílios depois de queimado em alta temperatura.
Retomando, fiquei aguardando a volta dos construtores. Coloquei até algumas palhas de capim jaraguá junto da cova.
Qual não foi minha decepção: eles olharam o barro, aterrissaram, bicaram a terra, mas parece que o material não passou pelos seus “controles de qualidade”, diria um engenheiro civil. Voaram e foram buscar o barro das jazidas que eles conheciam. Material de melhor qualidade…
Fiquei deveras desapontado: – “Caramba, nem experimentaram o barro. O barro que eu preparei especialmente para eles!”
Falei com meu avô sobre o acontecido. E ele, do alto de sua sabedoria, me disse com o jeito pantaneiro de ser:
– Você ainda é muito criança para entender a Natureza. É melhor prestar atenção e aprender com esses bichos.
Valeu a lição: – observar para aprender.
Higino Veiga Macedo. Coronel do Exército de Engenharia, Veterano da turma de 1971 da Academia Militar das Agulhas Negras, nasceu em Terenos, MS, em 11/01/1948. Como engenheiro militar, trabalhou por muitos anos na Amazônia, onde abriu e construiu 270 quilômetros de estradas.
Higino Veiga Macedo, Cadete de 1968 da Academia Militar das Agulhas Negras.
3 Comentários
Histórias que nos fazem lembrar anos de nossa vivência. Lembranças de infância são eternas. O seu texto é uma perfeita conexão pra quem viveu e ensinamento pra quem não teve a oportunidade de conhecer.
Um doce relato repleto de memórias e ensinamentos, adorei o texto. 🥰
Realmente, a natureza é sábia e professora . Se déssemos mais atenção poderíamos aprender muitas lições de vida.
Artigo bem interessante !
Parabéns !!