“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.”
Trecho do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas.
“Preciso ter uma conversa com o pessoal do Brasil. Por que não me avisaram antes que este é o melhor livro já escrito? O que vou fazer do resto da minha vida depois que terminá-lo?”
Esse arroubo vem da escritora e podcaster americana Courtney Henning Novak. Com mais de 20 mil seguidores no Tik Tok, Courtney tem um projeto de leitura pelo mundo que consiste em ler um livro de cada país do globo seguindo a ordem alfabética. Após a resenha da influenciadora viralizar na rede social, a tradução de Memórias póstumas de Brás Cubas, por Flora Thomson-DeVaux (editora Penguin/ Companhia das Letras) alcançou o primeiro lugar nas vendas da Amazon de literatura latino-americana.
Quando Machado de Assis (1839-1908) escreveu Memórias Póstumas de Brás Cubas, no final do século XIX, o Brasil estava passando por uma transição literária do Romantismo para o Realismo. O Romantismo, que havia dominado a cena literária brasileira desde meados do século XIX, caracterizava-se por temas como o individualismo, o exotismo, o lirismo e a evasão da realidade. Em contraste, o Realismo buscava retratar a vida cotidiana de maneira mais objetiva e crítica, com foco na sociedade e nos problemas sociais.
Machado de Assis, que já havia publicado obras anteriores, é considerado um dos maiores escritores brasileiros e um dos principais responsáveis pela consolidação do Realismo na literatura brasileira. Com Memórias póstumas de Brás Cubas, publicado originalmente em fascículos entre 1880 e 1881, ele introduziu uma série de inovações formais e temáticas que marcaram a literatura brasileira.
O impacto da publicação do livro foi significativo. Inicialmente, a obra foi recebida com certa perplexidade pelo público e pela crítica devido à sua narrativa não linear, ao uso da ironia, do humor ácido e à voz narrativa incomum (um narrador defunto). No entanto, com o passar do tempo, Memórias póstumas de Brás Cubas foi ganhando reconhecimento e influenciando não apenas a literatura brasileira, mas a latino-americana.
O que torna a obra tão excepcional –
Inovação narrativa: a obra é narrada em primeira pessoa pelo próprio protagonista, o defunto-autor Brás Cubas, comentando sobre si mesmo. Essa técnica narrativa era inovadora na época e influenciou muitos escritores posteriores.
Crítica social: Machado de Assis utiliza a história de Brás Cubas para fazer uma crítica ácida à sociedade brasileira do século XIX, abordando temas como o preconceito, machismo, escravidão e a superficialidade das altas classes sociais.
Estilo literário: marcado pela ironia fina e vasta erudição que se manifestam na escolha das palavras e nas construções sintáticas. Seu domínio da língua portuguesa fica evidente.
Complexidade dos personagens: personagens complexos e multifacetados, refletindo as contradições e ambiguidades da natureza humana. Brás Cubas, em particular, é um anti-herói que se revela ao leitor em toda a sua vaidade, fraqueza e autocomiseração.
Reflexão filosófica: a obra também contém uma rica reflexão sobre a vida, a morte, o destino e o sentido da existência, o que torna a leitura estimulante.
Influência cultural: o livro é uma referência obrigatória para quem quer entender a literatura brasileira e o contexto da sociedade brasileira do século XIX.
Reconhecimento internacional: embora tenha sido escrita no século XIX, a obra continua a ser reconhecida internacionalmente e traduzida para vários idiomas estrangeiros.
Literatura brasileira e mundial –
Quando Memórias Póstumas de Brás Cubas foi publicado no final do século XIX, a literatura brasileira e mundial estavam em constante evolução, com vários autores expoentes que marcavam a cena literária.
No Brasil, Machado de Assis era contemporâneo de outros importantes escritores, como:
Aluísio Azevedo (1857-1913): Conhecido por obras como “O Cortiço”, é considerado um dos precursores do Naturalismo no Brasil.
José de Alencar (1829-1877): Um dos fundadores do Realismo no Brasil.
Fagundes Varela (1841-1875): Poeta romântico conhecido por obras líricas.
Casimiro de Abreu (1839-1860): Poeta da segunda geração romântica, conhecido como o ‘Poeta dos Escravos’.
Na literatura mundial, vários autores eram reconhecidos em suas respectivas regiões:
Lev Tolstói (1828-1910): Russo, autor de “Guerra e Paz” e “Anna Karenina“, é considerado um dos maiores romancistas de todos os tempos.
Fiódor Dostoiévski (1821-1881): Também russo, famoso por obras como “Crime e Castigo” e “Os Irmãos Karamazov“.
Gustave Flaubert (1821-1880): Francês, cuja obra “Madame Bovary” é um marco do Realismo.
Charles Dickens (1812-1870): Inglês, um dos mais populares romancistas do século XIX, conhecido por obras como “David Copperfield” e “Um conto de duas cidades“.
Henry James (1843-1916): autor americano, cujas novelas exploram a interação entre a Europa e a América, como em “A Asa da Pomba” e “Os Embaixadores“.
Mark Twain (1835-1910): americano, autor de “As Aventuras de Tom Sawyer” e “As Aventuras de Huckleberry Finn“.
Esses autores, entre outros, contribuíram para o rico panorama literário da época, influenciando e sendo influenciados pelos movimentos literários do Romantismo, Realismo, Naturalismo e Pré-Modernismo. Machado de Assis, com sua obra pioneira, destacava-se por sua capacidade de integrar e inovar nessas tendências, deixando uma marca indelével na literatura brasileira e ganhando reconhecimento mundial ao longo do tempo.
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