Mais uma aventura dos 3 Zés – Zédomingo, Zé Donara e Zédomaro – narrada pelo Zédomaro (Salviano).
Menino de roça brincava de quê? Perguntam.
A gente não só brincava, como inventava, criava e fazia brinquedos. Das tripa o coração era o que a gente fazia…
– Como jogavam bola?

– Bola de plástico? Não existia ainda. A bola era de couro (capotão) e pesada pra menino, só os grandes conseguiam chutar aquilo.
Menino só olhava e corria pra pegar a bola quando chutada pra fora, pro mato. Era de ver a chusma desembestada no meio do espinheiro pra pegar e dar um chute.
O campo de terra batida esfolava a bola. O mato em roda: lobeira, macaúba, japecanga, espinho de agulha só esperando pra uma espetada, a vida dela era curta.
Bola furada era disputada a tapa.
– Faziam o quê com bola murcha?
– A gente consertava, uai!
…………………
Tinha muito tempo que a bola deles (dos adultos) não furava. Na escola tudo quanto era menino tinha o dedão do pé sem unha de tanto chutar lobeira.

– Semana que vem tem jogo e acho que a bola não vai aguentar até o fim, falou Zedomingo.
– E porque ocê acha? disse Zedonara.
– É porque quem guarda a bola é meu tio Chico, e ele já comprou uma novinha.
– Quem sabe a gente ajuda furá ela mais depressa! Sugeri.
– Só se for com feitiço.
– Meu pai sabe umas simpatia (ritual ou feitiço que se acredita ter o poder de realizar um desejo), pode ser que ajuda. Emendei.
Os dois olharam pra mim e entenderam.
– Todo mundo pensando, amanhã a gente conversa, falei.
No dia seguinte:
– Cumé, qual vai ser nosso adjutório pra acabar com a bola? Alguém teve uma ideia?
– Eu não, num é seu pai que tem mandinga? Falou Zedomingo.
– Cê tá doido! Mandinga é coisa de feiticeiro, meu pai não mexe com esses trem não! Ele sabe simpatia, mas disse que não pode usar pro mal.
Nem falei pra que que era.
– Então eu vou pegar meu canivete e furar a bola, é o único jeito. Ideia do Zedonara.
– Cê tá doido! É capaz deles te tomar o canivete e ainda fazer um servicinho nocê com ele.
– É, acho melhor arrumar uma bexiga de porco e passar leite de mangaba, ou então vamos pegar mais lobeira e esperar até a bola furar.

– Até lá já perdi as unhas tudo…, mas eu tenho uma ideia, se ocês topar …
– Ocê e suas ideia, vai acabar sobrando pra gente.
– É o seguinte: – Num tem três macaúba nova aqui do lado do cruzeiro?
– Hum, hum…
– É bem atrás do gol e é lá que a bola mais sai.
– E daí? Perguntaram…

– Meu plano tem três parte.
– Sorta aí..
– Presta atenção pra num dá errado.
– Primeira parte: eu vou ficar atrás do gol; Zedomingo, ocê lá nas macaúba; Donara no meio de nós dois de jeito que eu te vejo e ocê vê o Domingo; quando a bola sair daquela banda, eu vou gritar:
– É minha, é minha! Disparo, pego a bola e jogo procê no meio e ocê pro Zedomingo nas macaúba (tem que ser depressa pra ninguém ver).
– Zedomingo, ocê vai tá cum prego grosso e pontudo pra furar a bola, esvazia ela “digero” e enfia um espinho de coqueiro no buraco, depois sai correndo e gritando:
– Tichico, Tichico, a bola furou, a bola furou!
– Sabe o que ele vai falar?
– Corre lá em casa e pega a nova!
– Que acham?
– Até parece fácil, mas a parte perigosa sobrou pra mim, reclamou Zedomingo.
……………………..
Dia do jogo, cada um no seu lugar e nada de bola chutada pro nosso lado. A gente ficando meio descabreado, mas bem no comecinho do segundo tempo uma bola passou zuando por riba de mim.
O que aconteceu depois?
O combinado. A bola mudou de dono e botou a segunda parte do plano em ação.

Correr pro Zedomingo, descosturar um gomo da bola, tirar a câmara de ar e dividir ela por três, foi coisa de pouco tempo.
Um estilingue pra cada um estava garantido.

Última parte do plano:
– Lá em casa tem capim mumbeca, vou trazer e amanhã nois enche a bola. Quem tem agulha de costurar saco?
– Meu pai tem, falou Zedonara.
– Pega um carretel de linha da sua mãe e traz com a agulha. A gente torce uns quatro fios e costura o gomo outra vez.
……………………
Nossa bola ficou uma beleza, só não durou o tempo que precisava pra eu virar jogador.
O apelido, perna de pau, grudou e não descolou nunca mais.
4 Comentários
Esse capitão tem uma memória de dar inveja!!!
Aborda o assunto com mínimos detalhes que dão vida à narrativa.
Esse capitão tem uma memória de dar inveja!!!
Aborda o assunto com mínimos detalhes que dão vida à narrativa.
Excelente a historia muito real na época, somos contemporâneos saudades das estrepolias de infância na roça onde também fui criado, um grande e saudoso abraço velho amigo.
Memórias da infância dos tres Zés ganhou vida na criatividade do Capitão lembrada com detalhes . Vida feliz de crianças do interior de Minas Gerais .