Este “causo” me foi contado por um amigo de Diamantina. Verídico. Os fatos de envolver personagem ilustre da História do Brasil e de ser bastante engraçado justificam que ocupe este espaço. Espero.
Natural de Diamantina, Juscelino Kubitschek ia regularmente à cidade e ficava hospedado na casa de rico comerciante, Sr. Costa, proprietário da Loja Costa & Cia, em cima da qual residia. Grande casarão, pintado de azul e branco, com sete sacadas voltadas para o Largo do Mercado.
Havia um cidadão em Diamantina que era simplesmente alucinado pelo JK. Vou chamá-lo pelas iniciais de seu nome: A L. A L não deixava que JK botasse os pés no chão em Diamantina: corria a recebê-lo no aeroporto, carregava-o nos ombros e o conduzia até o carro. Feito isto, entrava em outro carro e rapidamente deslocava-se até o Largo do Mercado, onde esperava JK para novamente carregá-lo nos ombros e conduzi-lo até a porta da casa do Sr. Costa. Naturalmente, havia outros candidatos para carregar JK nos ombros, mas A L não abria mão da primazia: empurrava, brigava espalhava cotoveladas e chutes, mas o privilégio de carregar JK nos ombros era dele, exclusivamente dele. Com o correr do tempo, a concorrência foi desistindo porque A L não dava espaço para os adversários e ele assumiu o encargo. Aliás, A L era vulgarmente conhecido como “burrinho de JK”, alcunha dada pelos diamantinenses.
A chegada de JK em Diamantina naturalmente provocava grande alvoroço e muita gente se aglomerava no Largo do Mercado à espera da oportunidade de ver JK, de cumprimentá-lo, de dirigir-lhe a palavra ou de simplesmente tocá-lo. Estranho este endeusamento que as pessoas fazem de líderes…
Lá pelos idos de 1960, havia uma turma de rapazes, todos na faixa de 16/20 anos, que se divertiam com brincadeiras próprias da juventude da época: sem malícia, sem maldade e sem danos a outrem. Turmas deste tipo eram bastante comuns em cidades de menor porte. O nome e apelidos de alguns dos membros da turma eram comuns: Chicão, Fernando, Luciano, Geraldo… Melhor citar apenas os nomes e esquecer os sobrenomes.
Pois bem. Esta turma combinou que, na próxima viagem de JK a Diamantina, tentariam aproximar-se de A L e, quando este estivesse com JK sobre os ombros, agarrar-lhe os “países baixos” e ver se A L conseguiria manter JK nos ombros. Chegaram à conclusão que a melhor conduta seria aproximar-se de A L no Largo do Mercado. Haveria maior número de pessoas e a confusão seria maior, o que facilitaria acercar-se dele para agarrar-lhe os “países baixos” sem que fossem notados.
Combinaram espalhar-se, de modo que cada um se aproximaria de A L por um lado: um viria do norte, outro do sul, outro do leste e outro do oeste e aquele que conseguisse estar à distância mais próxima de A L cumpriria a tarefa. Bons tempos em que a turma se aproximava do presidente para brincar com o carregador do presidente e não para dar-lhe facada…
Assim foi feito. JK chegou a Diamantina. Desceu do avião e foi conduzido de carro até o Largo do Mercado. Como de costume, grande aglomeração de pessoas à espera do presidente e, entre elas, A L naturalmente para cumprir sua “nobre” atribuição. A turma agiu conforme o combinado: misturou-se à multidão, cada um se aproximando de JK por uma direção.
À medida que se aproximavam de JK, maior o empurra-empurra, maior a confusão. A L firme com JK sobre os ombros. Os rapazes se vão aproximando. Gritam JK, na tentativa de se misturarem à turba. Empurram, são pisoteados, recebem socos, mas mantêm a fleuma para prosseguirem em busca do objetivo. A L, forte e musculoso, a tudo suportava sem permitir que JK sofresse abalos ou desconforto em seus ombros, o que é naturalmente difícil.
Até que um deles se acerca de A L, abre a mão e gadunha (gadunhar = segurar com firmeza, agarrar, pegar com as unhas. É a palavra que mais bem expressa a forma como o fato aconteceu) os seus “países baixos”. Segundo o testemunho do autor da façanha e dos outros que estavam próximos, A L soltou um grito, um gemido abafado, quase um grunhido, contorceu-se todo, contraiu-se, deu um giro nos pés, reequilibrou-se e não deixou JK cair.
Em razão da confusão, ninguém, a não serem os autores da façanha, percebeu o ocorrido. Talvez o próprio A L tenha imaginado que o fato deveu-se à aglomeração em torno dele, apesar da maneira diferente e dolorida como foi agarrado. E do local onde foi gadunhado.
O fato me foi contado por um dos integrantes da turma o qual, contudo, me narrou o milagre, mas omitiu o nome do santo.
Cláudio Duarte.
Colunista e colaborador do PORTALIMULHER, é natural de Diamantina, MG.
2 Comentários
Somente nos interiores do Brasil vemos essas maravilhas. Essas figuras raras como o AL. Deliciosa a história de devoção a um líder. Jovens são sempre inconsequentes em suas brincadeiras. JK podia ter desabado de seu pedestal humano…
Valeu Claudio! Personagens políticos estão quase sempre associados a fatos cômicos e hilários. A arte de transmiti-los pela escrita os tornam ainda mais interessantes. Matei as saudades de meu velho pai ao ver aí empregado por você o vocábulo “gadunhar” que era de uso comum por ele que empregava um vocabulário todo próprio e muito sugestivo. Continuo apreciando suas publicações