Economistas não têm um histórico muito positivo no que diz respeito a previsões sobre o futuro. Por outro lado, tecnólogos inovadores não cansam de gerar ondas de otimismo e pessimismo sobre a próxima grande inovação disruptiva. Assim, justifica-se certo ceticismo sobre previsões de como inteligência artificial irá impactar as sociedades e suas economias. Devido aos recentes e rápidos avanços desta tecnologia, vale a pena tentar entender como ela irá mudar a nossa sociedade e tentar evitar ou mitigar desdobramentos indesejáveis.
Inteligência artificial (IA) é uma área da ciência da computação que constrói sistemas que imitam o comportamento humano e que conseguem demonstrar inteligência de máquinas. IA tem entrado em nossas vidas de forma gradual, estando presente hoje em inúmeros aparelhos, desde nossos celulares até carros autônomos, passando por vários instrumentos de marketing que empresas usam para atrair, surpreender e cativar clientes. Neste sentido, o crescente uso de IA tem sido incremental, de forma que este progresso passa quase que totalmente despercebido.
Alguns grandes avanços de IA chamaram muita atenção do público, mas seu interesse neles foi desaparecendo gradualmente. Exemplos são as IA para jogos de tabuleiro, como os programas AlphaGo, de 2016, que derrotou o campeão mundial de Go, e o AlphaZero, de 2017, que aprendeu a jogar xadrez sozinho e em poucas horas se transformou no mais forte programa de xadrez, batendo concorrentes baseados em técnicas tradicionais de programação, como Stockfish. Para se ter uma ideia das diferenças operacionais destes softwares, a técnicas tradicionais de programação para o xadrez envolvem tipicamente o uso de um banco de dados de partidas, capacidade computacional de cálculo e uso de soluções conhecidas para o final de partida – as famosas tabelas Nalimov. Já o AlphaZero, usa recursos computacionais de IA como aprendizado por reforço, pesquisa de Monte Carlo e redes neurais, isto é, ele aprende jogando, coisa que não ocorre com o uso das técnicas tradicionais de programação. O avanço com o AlphaZero foi a sua capacidade de alcançar desempenho sobre-humano sem depender de conjuntos extensos (bancos de dados) de jogos humanos ou conhecimento específico do domínio. Curioso é que, de maneira geral, inovação é imprevisível e se dissemina rapidamente quando encontra oportunidades: agora em 2023, o Stockfish incorporou plenamente as técnicas de redes neurais e já é considerado mais forte do que o AlphaZero.
A nova geração de IA é a IA generativa. Aplicativos generativos de IA, como ChatGPT, capturaram a imaginação de pessoas ao redor do mundo de uma forma que o AlphaZero não conseguiu, graças à sua ampla utilidade e capacidade sobrenatural para conversar com um usuário, de forma que quase qualquer pessoa pode usá-los para se comunicar e criar. As mais recentes aplicações de IA generativa podem realizar uma série de tarefas rotineiras, como a reorganização e classificação de dados. Mas é a sua capacidade de escrever textos, compor música e criar arte digital que chamou a atenção e convenceu os consumidores e as famílias a experimentarem por conta própria. Adicionalmente, as inovações em IA e seus usos estão caminhando muito rapidamente. Para se ter uma ideia, quando o ChatGPT foi lançado ao público, em novembro de 2022, ele precisou de apenas cindo dias para ter mais de um milhão de usuários. A título de comparação, o Instagram precisou de um mês para ter um milhão de usuários e o Spotify cinco meses. Em apenas dois meses, ChatGPT já tinha 100 milhões de usuários ativos. Ocorre que o ChatGPT é apenas a parte mais visível das inovações de IA que estão se disseminando e impregnando o mundo.
Nas palavras de Kai-Fu Lee, renomado expert em IA, “IA pode ser a tecnologia mais transformativa na história da humanidade e podemos não estar vendo muito desta mudança chegando. Isto porque tendemos a superestimar o que as tecnologias são capazes de fazer nos próximos cinco anos e subestimar o que elas irão fazer em vinte anos”. Se a IA irá mudar bastante o mundo no futuro próximo, precisamos estar preparados para que estas mudanças sejam preponderantemente positivas. Isto requer que individualmente nos adaptemos para usar esta tecnologia da melhor forma possível e, como sociedade, encontrar os meios para que estas inovações melhorem a vida de todos.
A questão é que a IA não tem um futuro predeterminado e pode desenvolver-se em direções muito diferentes. O futuro que surgir será uma consequência de muitas coisas, incluindo decisões tecnológicas e políticas feitas hoje. Especialistas discutem alguns cenários básicos que poderão ocorrer e que demandam ações políticas distintas, em particular na ocorrência da criação de inteligência artificial geral (IAG). IAG é uma IA que possui a capacidade de compreender, aprender e realizar qualquer tarefa intelectual que um ser humano possa realizar. Conjectura-se que a IAG pode ser criada dentro de um período de 5 a 20 anos.
O primeiro cenário que elaboradores de política econômica precisam considerar é o tradicional, o de business as usual: as inovações na IA aumentam a produtividade e automatizam uma série de tarefas de trabalho cognitivo, mas também criam novas oportunidades para os trabalhadores afetados se deslocarem para novos empregos que são, em média, mais produtivos do que aqueles de onde foram deslocados. Neste cenário, seres humanos são deslocados para tarefas mais complexas e menos repetitivas indefinidamente, aumentando sua produtividade e renda (salários).
O segundo cenário é o da ocorrência de IAG em um prazo de, digamos, vinte anos. Neste cenário, a IA avança gradualmente para o ponto de AGI, resultando em sua capacidade de realizar todas as tarefas humanas de trabalho até o final do período, desvalorizando o trabalho e substituído humanos completamente. Esta situação corresponde à ideia de que nosso cérebro tem capacidades cognitivas limitadas que seriam superadas pela IAG. Neste período, enquanto a IA não se transformar em IAG, presenciaríamos um aumento de produtividade do trabalho e de salários. Esta situação se reverteria com a substituição completa de trabalhadores pela IAG e colapso dos salários quando isto ocorrer.
O terceiro cenário é o da ocorrência rápida de IAG. Este cenário replica o anterior, mas com um cronograma mais rápido, de modo que IAG e todas as consequências associadas seriam alcançadas dentro de, digamos cinco anos.
Estes três cenários têm potencial para gerar resultados econômicos significativamente diferentes em uma ampla gama de indicadores, incluindo indicadores de crescimento econômico, salários e retornos do capital, sustentabilidade fiscal, desigualdade e estabilidade política. Além disso, podem tornar necessárias reformas nas nossas redes de segurança social e sistemas de tributação, além de afetar a condução da política monetária, a regulamentação do sistema financeiro e as estratégias de desenvolvimento econômico.
Considerando estes cenários, se os elaboradores de política entenderem que a IA pode se desenvolver de formas diferentes, flexibilidade de política é desejável e depende das respostas encontradas às seguintes perguntas. Como podem as políticas encorajar tipos de IA que complementam o trabalho humano em vez de imitá-lo e substituí-lo? Que escolhas irão encorajar o desenvolvimento da IA que empresas de todos os tamanhos possam acessar, em vez de apenas as maiores? Que tipo ecossistema de código aberto (open source) é desejável e como os elaboradores de políticas poderiam apoiá-lo? Como os laboratórios de IA devem abordar o modelo desenvolvimento e como as empresas devem abordar a implementação da IA?
Em suma, por causa da natureza inovadora da IA, de sua adoção recente e rápida evolução, temos várias perguntas e poucas respostas ainda. Para que esta “tecnologia mais transformativa na história da humanidade” seja uma fonte de prosperidade e inclusão social é necessário que consigamos encontrar respostas apropriadas às questões acima e que estejamos preparados para reagir e se adaptar às mudanças que estão por vir, da melhor forma possível.
1 comentário
Muito interessante esse artigo. Ontem, eu vi um documentário sobre Inteligência Artificial, eu fiquei bastante assustada foi com os avanços do BCI (brain computer interface) sem fio. Um espanto. Acredito que em 10 anos o mundo estará totalmente transformado.