Militar de carreira, de profissão e de convicção, dediquei quase 40 anos de minha vida ao Exército. Militar engenheiro, estive por muitos anos na Amazônia e trabalhei na construção de quilômetros de rodovias pelo Brasil, o que não me impediu de fazer outros cursos, ainda que em áreas diversas da minha profissão, com o objetivo de aprender e crescer intelectual e espiritualmente.
Fiz curso de acupuntura e, com o conhecimento adquirido, ajudei pessoas em “consultas” particulares ou mesmo quando a ocasião oportuna se me apresentava. (Consultas entre aspas porque eu não era remunerado pelas pessoas a quem ajudava. Minha satisfação era proporcionar alívio a elas).
Uma ocasião apresentou-se para que eu ajudasse alguém. Mas até hoje me questiono se a ajuda que prestei foi de grande valia porque, ao final, percebi cenhos franzidos e olhares de insatisfação voltados para mim. Mistura de gratidão e reprovação. Explico.
Estava eu almoçando em companhia de minha filha e dois netos em um restaurante familiar, próximo de casa. Ao lado da minha mesa, uma família alegre e extrovertida animava o ambiente com vivas, parabéns e comemorações. Deduzi que era o aniversário do patriarca, o avô, que se fazia rodear de filhos e netos em alvoroçado encontro. Ambiente alegre e familiar, agradável de ver.
Retraído e quieto junto dos meus entes queridos, eu apenas observava. Não sou dado a extrovertidas manifestações de alegria e comemorações.
De repente, o incidente. O avô aniversariante engasgou e teve acesso de tosse. O clima ameno se desfez, e todos, tensos, voltaram a atenção para o avô, que não parava de tossir.
O ambiente de descontração cedeu lugar a ambiente de tensão e preocupação. Percebi o que estava acontecendo. Não me furtei a prestar ajuda.
Levantei-me, aproximei-me da mesa da família e ofereci ajuda, prontamente aceita. Havia tanta ansiedade que não me perguntaram se eu era médico, se enfermeiro, nada. Qualquer ajuda seria bem vinda naquele momento.
Cheguei perto do senhor, coloquei o dedo em sua garganta, apertei o ponto de acupuntura debaixo do gogó e logo a tosse cessou.
Alívio geral. Todos voltaram a sorrir. O avô recuperou a cor e o fôlego e me agradeceu com forte abraço.
Até aí o lado bom da minha atuação. Gratidão.
O ambiente alegre da família levou-me a fazer um comentário descontraído, que foi bem aceito pelo senhor e seus filhos, mas não teve a mesma boa aceitação por parte da esposa dele.
Vendo-o recuperado, disse eu ao senhor que é necessário saber controlar a tosse, pois há momentos em que a tosse poderia denunciá-lo. E completei:
– De repente, o senhor está dentro de um armário e não poderá tossir.
O senhor gostou do comentário, riu muito a ponto de quase ter outro acesso de tosse.
A partir desse comentário, a esposa dele fechou a cara para mim, não mais sorriu, não mais agradeceu e quase me expulsou do ambiente. Reprovação.
Mesmo assim, ele continuou rindo.
Posso ter sido inconveniente, mas o ambiente descontraído me levou a fazer a piadinha, até como forma de quebrar a tensão gerada pelo mal estar que ele sentiu.
Retornei a minha mesa, oscilando entre a satisfação de haver ajudado alguém e a recriminação dos olhares de reprovação que recebi da esposa dele, os quais hoje me divertem e até justificam que o fato seja narrado por meio desta crônica.