Sete da manhã. João Pessoa fritava com a intensidade do sol. Optei por não dirigir para ir ao centro da cidade. Melhor usar ônibus: é gratuito por conta de minha idade, não me estresso dirigindo e nem para procurar estacionamento.
Chego ao ponto de ônibus afogueado. A chuva da noite anterior trouxe mais umidade e, com ela, sensação térmica mais alta. Sol de rachar.
Duas senhoras no ponto. Um mendigo se aproxima delas com uma garrafa de água que lhe fora dada pelo porteiro do prédio em frente.
Uma das senhoras me olhou com cara de alívio e disse:
– Ainda bem que o senhor chegou, pois esse rapaz estava aqui e eu realmente estava com medo dele. Ele pediu uma moeda e eu dei. A outra senhora também lhe deu uma moeda.
Quando o rapaz chegou mais perto, reconheci-o. Tenho o hábito de nadar bem cedo, quando o Sol está raiando e, antes de me lançar ao mar, eu o havia visto passando pela calçada da orla.
– Ele dormiu pela praia numa dessas barracas, pois pela noite choveu. Eu o vi pela manhã, respondi à senhora.
Sentei-me no banco do ponto. Na outra ponta, como sempre fazem os mendigos por medo de serem escorraçados, sentou-se o rapaz. Resolvi falar com ele.
– E aí, meu camarada? Tudo tranquilo? Dormiu onde com toda essa chuva?
Ele disse que dormira na barraca de alguém, que eu não sabia quem era.
Continuei a conversa.
– E agora, vai pra onde?
– Vou para o centro e talvez, de lá, eu vá para casa.
– Mora onde?
Ele disse o bairro, que fica em Santa Rita, cidade dormitório de João Pessoa.
Chegou o ônibus da Linha 507. A empresa, há algum tempo, usa os ônibus sem cobrador. Levantei-me para mostrar ao motorista a carteira de identidade, o passe livre em ônibus por causa da idade.
O rapaz levantou-se junto comigo para entrar no ônibus. Ele quis refugar. Vi que o ônibus não tinha cobrador e eu o acobertei.
– Vamos, cara, sobe junto porque não tem cobrador.
Subimos os dois e aí fiz o cerimonial rotineiro em ônibus: apontar a identidade para a câmara de segurança.
Passei pela roleta, sentei-me. Ele se sentou bem ao fundo, ultima linha de cadeiras. Por precaução, eu me sentei perto dele. Assim, eu chegaria junto diante de qualquer movimento suspeito dele.
Ele iniciou nova conversa.
– Senhor, o senhor fala como meu pai. Fala forte com decisão. E não tem medo de morador de rua. Não tem como não te respeitar.
– Jovem, para ser respeitado, há que respeitar.
O respeito aparece no olhar. Não precisa falar muito.
Ele respondeu:
– Eu concordo com o senhor.
A conversa continuou sobre assuntos banais.
O ônibus chegou ao ponto onde eu desceria. A meu lado, ele estava quase deitado na poltrona do ônibus. Pensei que dormia. Levantei-me devagar para não acordá-lo e saí do ônibus. Não me espedi dele.
Assim que desci e me aprumei na calçada, o ônibus partiu. De repente, eu o vi botar a cabeça pela janela e gritar:
– Ei, o senhor também virou meu pai…
Abanei a mão, já não havia distância para falar mais nada. Não pude responder-lhe. Não pude abençoá-lo. Não pude abraçá-lo.
Ficou a alegria por haver ganhado um filho mendigo, apenas porque o tratei com respeito e atenção, que devemos oferecer a todas as pessoas.
Espero encontrá-lo ainda pelas calçadas da praia de Tambaú.
Higino Veiga Macedo, Coronel Veterano de Engenharia do Exército, natural de Terenos, MS, comandou o 7º Batalhão de Engenharia de Construção, Rio Branco, AC. Reside atualmente em João Pessoa, PB.
1 comentário
Me emocionei lendo esse texto!
Parabéns Coronel Higino Veiga Macedo!